Diferenças entre ideal romântico indígena no Brasil e na Argentina são tema de pesquisa do Prolam

Análise de autores do século 19 aponta que, mesmo com diferenças, as visões do índio real eram deturpadas.

Mariana Melo / Agência USP de Notícias

A construção do ideal romântico nacional, típico do século 19 no mundo ocidental, inclusive na América Latina, se fez principalmente pela reconstituição da figura indígena do século 16. Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP buscou verificar as diferenças desta reconstrução na comparação entre Brasil e Argentina, e constatou que, enquanto a figura indígena brasileira era forjada em índios vilões e mocinhos, o índio argentino era visto apenas como vilão e tinha suas ações descritas como contrárias às unificação e pacificação do Estado.

Essas conclusões foram apontadas por Adriana de Carvalho Alves, historiadora e autora da dissertação de mestrado Brasil e Argentina, mediação pela cultura: a contribuição dos indígenas ao projeto nacional à luz dos textos de José de Alencar e Domingo Faustino Sarmiento. Para a pesquisa, Adriana avaliou a construção dos personagens índios das obras “O Guarani”, de José de Alencar, e “Conflicto y armonía de las razas en América”, de Domingo Faustino Sarmiento.

Distorção

Pela análise de “O Guarani”, a historiadora percebeu que o imaginário brasileiro da época atribuía ao índio comportamentos e sentimentos típicos dos não-índios. A postura argentina, no entanto, era de exclusão social da figura indígena, reconhecido como inimigo do Estado e, consequentemente, da nacionalidade argentina. Apesar das diferenças, nos dois casos há uma distorção da figura real do indígena.
Sobre a escolha por José de Alencar, Adriana diz: “O Guarani fez muito sucesso no formato de folhetim e formou a mentalidade da época a respeito do índio”. Para ela, a identidade indígena construída no século 19 no Brasil vem de uma escolha intencional, feita por autores românticos como Alencar, das crônicas de Gabriel Soares de Sousa, autor português do século 16 que identificou e descreveu grupos indígenas brasileiros. O principal indício da construção idealizada, segundo Adriana, foi a implantação de maniqueísmos, que podem ser identificadas nas obras de Alencar como a dualidade de guaranis como heróis e aimorés como vilões.

Já Sarmiento, o autor indianista argentino escolhido, não admitia os grupos indígenas como bons ou maus, dóceis ou selvagens. Para ele, eram bárbaros que precisavam ser combatidos em nome da unidade territorial da Argentina. Neste retrato, segundo a pesquisadora, “havia um confronto entre a civilização e a barbárie”, sendo que a civilização era representada pela população argentina não-índia.

Além disso, Alencar não se vinculou ativamente à política no Brasil, ainda que tenha concorrido ao cargo de senador na sua época. Já Sarmiento teve envolvimento político bem mais intenso na Argentina. Participou do conflito entre federalistas e unitários, ao lado dos unitários, e foi expulso de seu país por Juan Manuel de Rosas. Mesmo exilado no Chile, Sarmiento manteve sua influência na Argentina e, após seu retorno, chegou a ser presidente do país em 1868. “No Brasil, não havia um escritor com um viés tão marcadamente político para que eu fizesse a comparação para o trabalho” diz Adriana. Essa distinção entre os dois pode ter influenciado a forma como os indígenas foram retratados pelos escritores.

Outro fator que a pesquisadora destaca como diferença na forma como os indígenas foram romantizados está na maneira como os conflitos por terra entre índios e não-índios eram assimilados pela população não-índia. Enquanto no Brasil a opinião pública não reconhecia o índio como um combatente, porque os conflitos eram bem cerceados pelas autoridades, na Argentina as notícias dos embates eram mais disseminadas e a população reconhecia no índio um agressor direto.

Reconhecimento

Adriana diz que trabalhos deste tipo visam ampliar a compreensão de que o Brasil é parte da América Latina. “Mesmo que exista o entrave da língua, somos latino-americanos”. Além disso, segundo ela, “não há reconhecimento de que somos indígenas devido à condição de opressão deste povo. Mas não há como negar sua influência no Brasil” finaliza. O mestrado, iniciado em 2010, foi orientado pelo professor Luiz Antônio Lindo, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Mais informações: email adrianadecarvalho@usp.br

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