Bruno Capelas / Agência USP
Apesar de sua baixa penetração no país até agora, pode-se dizer que a TV digital já é uma realidade palpável para os brasileiros. O sistema, que começou suas transmissões em dezembro de 2007, hoje é utilizado por todas as emissoras da rede aberta, e já atinge metade da população nacional. A partir de junho de 2016, o sistema analógico será desligado. Entretanto, ainda não existe uma boa maneira de medir a audiência da TV digital – dado importante para o mercado publicitário e para a programação das emissoras. Um estudo desenvolvido pela Escola Politécnica (Poli) da USP deu os primeiros passos nesse sentido, com um software que é capaz de coletar dados sobre os telespectadores do novo sistema. Atualmente, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) – responsável pelas medições de audiência – não realiza nenhum tipo de acompanhamento com as transmissões digitais.
O jornalista Valdecir Becker, que desenvolveu o estudo sob orientação do professor Marcelo Zuffo, como sua tese de Doutorado na Poli, defendida em 7 de junho de 2011, avalia que o sistema utilizado hoje pelo Ibope tem problemas. “Nenhum país usa tão poucos pontos de medição: são apenas 700 medidores na cidade de São Paulo, que verificam se a TV está ligada ou não, e em qual canal, baseado na frequência de sintonia deles”.
O Instituto ainda divide seus dados por classe social, idade e sexo, e cada ponto de sua medição equivale a 58 mil domicílios na cidade de São Paulo, o que na visão de Becker é pouco, considerando o número de habitantes do país. Entretanto, ele mesmo completa: “Não dá para dizer que não funciona, porque estatisticamente o modelo é correto, e o mercado o aceita bem”.
Porém, o método utilizado hoje pelo Ibope não valeria para a TV digital por dois motivos, na visão do pesquisador. “O primeiro problema é técnico: vários canais podem ser transmitidos em uma mesma frequência no sistema digital, como acontece, por exemplo, na TV Cultura em São Paulo, que exibe a Cultura, a Univesp TV e o Multicultura. O outro é mercadológico: hoje o anunciante precisa de mais dados sobre sua audiência – ele paga sobre a qualidade dos espectadores, e não sobre a quantidade”.
Segundo ele, a tecnologia utilizada no exterior também apresentaria falhas: “ela utiliza um sistema de comparação de luminosidade entre as telas do espectador e da emissora. A ideia é interessante, mas demora horas para ser processada, o que inviabilizaria o “minuto a minuto”, serviço instantâneo oferecido pelo Ibope”.
Frequências
Para tentar resolver o problema das frequências, Becker propôs um sistema de medição que utilizasse a NIT (Network Information Table), espécie de identificação que cada canal tem na TV digital, e que chega junto com o sinal. Ele, junto a pesquisadores da Poli, desenvolveu um software que lê esse sinal – o programa foi testado em baixa escala, em 6 caixas que o continham em pontos de medição diferentes durante 1 semana. Cada caixa enviava informações para um banco de dados que Becker controlava em sua casa.
Outra inovação do sistema de Becker é a criação de perfis de usuários: cada morador da casa que recebe a caixinha teve a sua identidade criada, e, quando assistia algum programa, seus dados eram também enviados. Assim, era possível obter diversas informações sobre os espectadores: além dos dados que o Ibope utiliza, o programa desenvolvido pelo jornalista também capta dados como deficiências que impeçam o espectador de assistir à TV (física/visual/mental/auditiva), comportamento online (especialmente nas redes sociais), tempo que vê àquele canal específico (em comparação com o número de horas que assiste TV). O perfil no intervalo do telespectador também é considerado, assim como se assiste sozinho ou acompanhado e se acessa informações adicionais (vê DVD, blu-ray, assina revista ou jornal, possui TV paga).
Com o sistema, será possível unir informações entre os perfis rapidamente: “isso ajudará o mercado publicitário na segmentação de seus produtos, além de dar mais informações para quem faz a programação da TV”. Entretanto, isso ainda não é suficiente, uma vez que o projeto de Valdecir não segue uma proporção estatística – ele sugere que um trabalho futuro prove se isso é possível.
Conteúdo no lugar da plataforma
Ele ressalta que hoje apareceram muitas maneiras de se ver TV que são deixadas de lado pelo sistema do Ibope: “Muita gente vê TV pelo celular ou na internet. Além disso, um terço das tevês do país não usa o sinal analógico, mas sim via antena parabólica – e também são ignoradas nessa contagem. Precisamos achar um meio de esquecer a plataforma de transmissão e pensar no conteúdo audiovisual que está sendo transmitido”, diz.
O jornalista ainda conclui que talvez estejamos andando num ritmo mais acelerado do que conseguimos perceber: “O uso das tecnologias está caminhando mais rapidamente do que a gente consegue entender e mais ainda do que a gente consegue medir”.
Mais informações: e-mail valdecirbecker@gmail.com