Historiadora dedicou sua carreira à administração cultural pública, passando por organismos como o Teatro Municipal de São Paulo, MAC e Osesp, e acaba de ser reconhecida pela International Society for the Performing Arts por sua contribuição às artes
Foi nos bastidores do universo cultural que Claudia Toni começou a trilhar os primeiros passos de sua carreira. Como maestrina, ela coordenava os movimentos de uma equipe de profissionais responsáveis por administrar o meio artístico. Embora pouco conhecida pelo público, a função é essencial em qualquer produção ou organismo artístico, seja um concerto, uma exposição ou uma orquestra. Formada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Claudia encontrou na gestão uma grande paixão e criou uma ponte entre o mundo das artes e o da administração.
Neste ano, ela foi escolhida para receber o prêmio “The International Citation of Merit” de 2016, premiação oferecida pela International Society for the Performing Arts (IPSA), da qual Claudia faz parte desde 2001. Ela foi a primeira sul-americana a integrar a instituição, que reúne administradores culturais do mundo inteiro e todos os anos oferece quatro prêmios. Um deles, voltado ao reconhecimento da carreira de um gestor cujas ações tenham modificado a área das performances em arte (dança, arte, teatro, música e circo) em seu país. A cerimônia de premiação ocorrerá em janeiro de 2016.
Foi em uma casa cercada de músicos que Claudia estabeleceu os primeiros contatos com a área cultural. Filha do renomado maestro e compositor George Olivier Toni, viu o pai construir um grande legado na área musical – Toni é fundador da Orquestra Sinfônica da USP (OSUSP), do Departamento de Música da Universidade e de outros importantes organismos musicais. Por meio do pai, outro personagem importante apareceu em sua história. Walter Zanini conviveu com o maestro ainda na juventude, na região do Ipiranga: eram “os irmãos Toni e Zanini”.
Quando iniciou sua vida universitária, Claudia precisou ajudar a família nas despesas. Assim, se candidatou a uma bolsa de estágio no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, cujo diretor, na época, era o professor Zanini. Foi ele o responsável por abrir a primeira porta do mundo das artes para a futura gestora cultural. No MAC, ela desempenhou diversas funções. Montava exposições, ajudava na biblioteca e na matrícula dos cursos.
Seu primeiro desafio profissional após a faculdade foi trabalhar na administração pública do Teatro Municipal de São Paulo. Lá, ela realmente teve certeza de sua escolha profissional. A partir da experiência na instituição, a historiadora percebeu a grande carência que existia na formação artística dos profissionais que trabalhavam com a gestão cultural. “Elas só faziam a burocracia sem compreender que as artes precisavam de olho um pouco mais diferenciado”, lembra a gestora. Com sua bagagem cultural, aos poucos, ela foi subindo cada degrau da administração, até se tornar coordenadora de todos os corpos estáveis do teatro: orquestra, coro e balé.
Claudia conta que, por volta dos anos 70 e 80, ainda não existiam no Brasil escolas que ensinassem a gerir as atividades culturais com olhar mais amplo e não havia diálogo entre administradores e artistas. Era necessário, então, aprender como isso poderia ser feito. Assim, ela decidiu viajar para Alemanha, com intuito de buscar experiências inspiradoras. Para se sustentar no novo país, trabalhou como locutora de rádios e dubladora de filmes alemães. Ela recorda que, nesta época, os exilados brasileiros que faziam este trabalho estavam voltando para o Brasil, graças à Lei da Anistia Política. As produtoras precisavam, assim, de uma voz feminina para realizar este trabalho.
Em 1987, Claudia retorna à USP com o desafio de estruturar, junto ao professor Carlos Guilherme Mota, o recém-criado, Instituto de Estudos Avançados (IEA). “Nós organizamos o instituto. Ele estava começando a funcionar e só tinha uma funcionária”, relata a gestora. Em sua trajetória na Universidade, ela voltou ao MAC e passou pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) como assistente acadêmica. Hoje, é assessora da Reitoria.
A experiência na Osesp
Em 1998, recebeu, como presente, um dos maiores desafios da sua vida: reestruturar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Na ocasião, a Osesp ainda não tinha o brilho que tem hoje e enfrentava grandes dificuldades. Os músicos ganhavam pouco e a programação não era muito coerente, lembra a historiadora. Além disso, a orquestra ainda não tinha uma casa – suas apresentações percorriam cinemas e o Teatro São Pedro.
“Quando cheguei lá tinham três funcionários, quando saí tinham 56”, destaca Claudia ao falar da sua experiência na Osesp. Para ela, era preciso organizar a orquestra do ponto de vista institucional. Assim, liderou trabalhos importantes, como a criação de uma editora, de concertos educativos e do programa de assinaturas. “As pessoas não achavam que fosse possível fazer isso dentro de uma orquestra pública. Meu trabalho foi provar que era possível”, afirma.
Com o tempo, a orquestra conquistou seu espaço de apresentações em São Paulo, mas Claudia ainda teve que enfrentar uma tarefa nada fácil: conquistar o público. Quando ensaiava no Teatro São Pedro, a Osesp chegou a ter mais pessoas no palco do que na plateia. Ir para a Sala São Paulo, sua sede até hoje, era encarar o desafio de enchê-la com 1500 pessoas. Em sua gestão, ela participou da criação do slogan “Pode aplaudir que a orquestra é sua”, que tinha como intuito estabelecer uma identificação maior com o público, que foi crescendo até a orquestra chegar ao número de 10 mil assinaturas.
Segundo Claudia, a Osesp foi a primeira instituição do Brasil a ter um diretor executivo, cargo que ocupou até 2002. Passava por suas mãos decisões como a formulação de políticas para venda de assinaturas, os processos necessários para construir uma editora, entre outras questões.
Políticas culturais no Brasil
A historiadora também deixou sua marca na Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, onde integrou o grupo de trabalho que idealizou a Praça das Artes. A partir da experiência com educação, pôde perceber diversas carências no ensino de música no Brasil e, como Assessora de Música da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, buscou a reforma nesses programas.
Para Claudia, é necessário trabalhar a formação dos jovens na área cultural dentro das escolas, sejam elas públicas ou privadas, como forma de incentivar o interesse em ocupar os espaços culturais que, frequentemente, acabam restritos àqueles com melhores condições socioeconômicas.
Ela ressalta que o país ainda precisa criar políticas culturais, pois não tem espaços estruturados para receber um público mais amplo. Não há um plano de estudo para verificar se há necessidade de construir mais teatros, por exemplo. Além disso, o Brasil ainda não tem políticas para formar músicos, bailarinos ou atores. “É preciso começar a cobrar política para nossa área”.