Com 18 livros publicados na área de Psicologia do Esporte e Estudos Olímpicos, além de ser membro da Academia Olímpica Brasileira e ex-presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, a professora Katia Rubio ainda se empolga ao falar de um projeto especial: “nós temos um projeto único nas mãos. Pertencemos a redes com pesquisadores internacionais, e quando eles vêm aqui ficam pasmos, pois isso nunca foi feito antes – ao menos que tenhamos conhecimento – em outro país.”
O trabalho citado pela docente da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP é a principal pesquisa com que seu grupo trabalha atualmente, que pretende entrevistar todos os 1816 atletas brasileiros participantes dos Jogos Olímpicos de 1920 até 2012.
“Nós vamos até os atletas para entrevistá-los onde eles estiverem. Com isso temos um panorama único da história do esporte olímpico brasileiro. Porque conseguimos ver as mazelas do esporte pela ótica do protagonista, e não da história oficial. Isso é um favorecedor de políticas públicas para o esporte e para os atletas, seja em período produtivo ou na fase do pós-carreira”, ressalta Katia.
O conceito de pós-carreira, inclusive, foi criado ao longo dos encontros semanais do Grupo de Esportes Olímpicos, que ela coordena. Nas reuniões presenciais, os alunos estudam a bibliografia que referencia os trabalhos e discutem a dinâmica da pesquisa.
O grupo nasceu como desdobramento natural da tese de doutorado de Katia Rubio sobre a Formação da Identidade do Atleta e o Mito do Herói. Depois de passar por dificuldades para se estabelecer, hoje conta com cerca de 25 estudantes, além de pesquisadores de outras universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Lavras (UFLA). Trata-se, em geral, de ex-alunos do grupo que agora complementam a pesquisa mesmo à distância.
Integrante do núcleo de Pedagogia do Movimento do Corpo Humano da EEFE, o Grupo de Estudos Olímpicos é aberto para qualquer aluno de graduação e pós da USP, e chama a atenção pela heterogeneidade. Como a própria professora gosta de dizer, “o que importa mesmo é o tema. Quanto mais interdisciplinar, melhor a leitura que nós temos do fenômeno. Então ficamos muito felizes quando aparece gente com outras formações: Educação Física, Psicologia, História, Filosofia”.
Sérgio Settani Giglio foi integrante do grupo durante quatro anos e ressalta que esses encontros transformaram o processo de pesquisa de individual em coletivo. “O grupo foi muito importante para que eu tivesse diferentes visões e contato com modalidades que provavelmente nunca teria”. A principal pesquisa de Giglio nos anos de participação no grupo foi compilada e resultou na sua tese de doutorado intitulada COI x FIFA: A história política do futebol nos Jogos Olímpicos.
O Brasil e os Jogos Olímpicos
Ao longo dos 12 anos de atividade do grupo, as linhas de pesquisa foram se desdobrando e geraram dados que hoje são frutos para análise dos pesquisadores. A pesquisadora conta que “muitos atletas relatam terem dito para nós coisas que eles nunca tinham dito pra ninguém – e sobre as quais nunca tinham pensado antes. O que nos leva a ter alguns documentos exclusivos, inclusive de atletas que vieram a falecer depois.”
Muitos atletas relatam terem dito para nós coisas que eles nunca tinham dito para ninguém – e sobre as quais nunca tinham pensado antes.
Com base nesse material levantado é que ela faz uma análise do perfil dos medalhistas olímpicos brasileiros: “o medalhista olímpico no Brasil é uma mescla de um nível singular de superação individual e de entendimento das políticas institucionais para superar todos os entraves que existem para o desenvolvimento de uma carreira. É inacreditável que mesmo com tudo isso o Brasil tenha 108 medalhas.”
É inacreditável que mesmo com tudo isso o Brasil tenha 108 medalhas.
É justamente no cenário das políticas públicas e institucionais do esporte que residem as maiores críticas da professora. Segundo suas pesquisas, é necessário entre oito e 12 mil horas para que alguém possa chegar ao nível olímpico. O que significa de oito a dez anos de trabalho. “Os jogos no Brasil em 2016 foram definidos em 2009, o que já abreviaria em dois anos a preparação. Isso se o Brasil tivesse um política para ter começado em 2009. Nunca se teve tanto dinheiro no esporte como se tem agora, mas fica claro que aquilo que falta no esporte é gestão.”
Katia ressalta também que muitos clubes se aproveitam da imagem de formadores de atletas, mas recebem dinheiro público, sobretudo da Lei de Incentivo ao Esporte, para fazê-lo.
Esporte x mídia
Outro ponto levantado pela docente foram os ajustamentos que o esporte vem sofrendo devido aos meios de comunicação de massa. Segundo ela, as mudanças de regras no basquete e no voleibol e o horário dos jogos de futebol no Brasil são exemplos da interferência da mídia. “O esporte nasce num momento em que não existia televisão. A primeira transmissão ao vivo para o mundo acontece em 1964. A televisão passa, a partir daí, a viver proximamente ao esporte. Em menos de 20 anos os grandes conglomerados de comunicação transformaram o esporte num produto de entretenimento – e hoje não existe esporte sem televisão. A nossa aposta é que as novas mídias possam diluir um pouco o poder que as televisões passaram a exercer sobre o mundo esportivo.”
Nossa aposta é que as novas mídias possam diluir um pouco o poder que as televisões passaram a exercer sobre o mundo esportivo.
Apesar de todos os problemas e interferências, a professora não perde a esperança no desenvolvimento do esporte. “Ainda que o ponto de vista comercial tente usurpar aquilo que o esporte tem de melhor e mais puro, o que mobiliza alguém a gastar os melhores anos de sua vida ainda é a paixão pelo que faz. E essa paixão está dentro do espírito olímpico.”