Renato Janine Ribeiro: a educação liberta da miséria e do preconceito

Docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o professor de Ética e Filosofia Política Renato Janine Ribeiro assumiu nesta segunda-feira, dia 6, o cargo de ministro da Educação

Do Jornal da USP

Ao assumir o cargo de ministro da Educação, o professor da USP Renato Janine Ribeiro afirma que todos os cidadãos têm responsabilidade na tarefa de educar a população

“Eduquem-se cada vez mais, nunca parem de aprender. Eduquem os outros, eduquem a sociedade.” Esse pedido foi feito pelo novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro – professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP –, durante a cerimônia de transmissão do cargo, na tarde do dia 6 passado, no auditório do Ministério da Educação (MEC), em Brasília (DF). “Ninguém terceiriza sua responsabilidade com a educação. Peço não só aos trabalhadores na educação, no MEC e fora dele, aos 2 milhões de professores, mas também aos 50 milhões de alunos, a seus pais e familiares, aos cidadãos em geral, que deem o melhor de si pela educação”.

Na manhã do mesmo dia, Janine Ribeiro tinha sido empossado como ministro pela presidenta Dilma Rousseff, em evento realizado no Palácio do Planalto. “Confio que não faltará a Renato Janine Ribeiro a dedicação necessária e também confio que não falta competência para conduzir o Ministério da Educação”, declarou a presidenta, em seu discurso. “Quem poderia ser mais indicado para comandar toda essa transformação neste momento do que um professor? Por isso, para consolidar a construção do desafio de uma pátria educadora, uma pátria que educa suas crianças e seus jovens, eu convidei um professor, um pensador e um apaixonado pela educação”, acrescentou Dilma.

Estiveram presentes na posse do ministro o reitor da USP, Marco Antonio Zago, o vice-reitor Vahan Agopyan e a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária, Maria Arminda do Nascimento Arruda.

Intelectual participante

Na cerimônia de transmissão do cargo, Janine Ribeiro apresentou um vídeo em que o crítico literário e Professor Emérito da FFLCH Antonio Candido, de 96 anos, faz comentários sobre o novo ministro. Nele, Candido chamou Janine Ribeiro de “intelectual participante” e, para justificar esse nome, lembrou a fundação da USP, em 1934, que surgiu numa época marcada por movimentos voltados para a reforma da educação, em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Pernambuco, entre outros locais. Esses movimentos, disse Candido, tinham “muito viva” a ideia de fundar uma verdadeira universidade. Na época, ressaltou o professor, havia no Brasil algumas “universidades puramente nominais”, que consistiam apenas em dar nome de universidade a escolas superiores isoladas.

Para a criação da primeira universidade do Brasil – a USP –, foram incorporadas as faculdades já existentes no Estado e se criou “uma coisa nova”, segundo Candido: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) – a atual FFLCH. “Surgiu pela primeira vez no Brasil o ensino articulado e sistemático das humanidades. Foi um passo muito grande porque, com isso, começou a haver um pensamento em nível superior dos problemas da sociedade”, lembrou Candido.

lousa

Na mesma época – continuou o Professor Emérito –, o Brasil se caracterizou por um traço novo e singular: a ideia de que o intelectual devia participar da vida da comunidade. “É a figura do que se chamava o intelectual participante, aquele que, além da sua tarefa específica, é um cidadão que debate os problemas sociais. Posso dizer que isso foi uma pequena revolução”, destacou Candido.

Ainda segundo o professor, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP foi a primeira instituição que começou a formar intelectuais dotados de uma “extrema atenção” para os problemas sociais. “Foi nessa atmosfera que se formou o professor Renato Janine Ribeiro. Ao meu ver, ele é o representante típico do intelectual participante. Filósofo, é um pensador que sempre praticou a militância intelectual (e se voltou para) os problemas da sociedade, os problemas da nação”, afirmou Candido. “Eu vejo que nessa convergência entre os traços da universidade nova e a ideia do intelectual participante se situa o atual ministro da educação.”

Entrevistas

Em entrevista ao Blog do Planalto, dada após a cerimônia de posse no Palácio do Planalto, Renato Janine Ribeiro disse que é preciso fortalecer a educação, porque é ela que dará sustentação ao avanço econômico do País. “Embora nós precisemos, neste ano, de ajustes econômicos específicos, a médio e a longo prazo, a educação vai funcionar para a qualificação maior da mão-de-obra, para o desenvolvimento da economia e, sobretudo, para a autonomia das pessoas”, afirmou.

Ainda na entrevista ao Blog do Planalto, o ministro informou que a principal diretriz durante o seu mandato será o Plano Nacional de Educação (PNE). “O PNE é o roteiro do que a sociedade brasileira, depois de longa discussão, resolveu priorizar pelos próximos dez anos. O plano quantifica metas que são, sem dúvida, ambiciosas e metas que talvez possam ser ultrapassadas em menos tempo”, disse o ministro, ressaltando que as metas vão depender do andamento do programa. Sancionada em junho de 2014, a lei do PNE já está sendo aplicada pelo Ministério da Educação.

Ribeiro ressaltou ainda a força da educação para a melhoria de vida da população. “Educação pode sempre ser melhor, pode sempre avançar. Ela é algo que liberta as pessoas. Liberta da miséria, que é uma prioridade, e do preconceito de cor, de gênero, de orientação sexual.”

Já para o jornal Folha de S. Paulo, em entrevista publicada no dia 6 passado, o novo ministro destacou a importância de investir na educação básica, que, reconheceu, é a prioridade política há duas décadas. “Há pelo menos 20 anos todos os ministros da Educação dizem isso, mas a gente ainda não conseguiu dar um salto de qualidade decisivo nessa área”, disse na entrevista.

Na mesma entrevista, Janine Ribeiro tratou das restrições orçamentárias do Ministério da Educação. “Vai ser difícil, a gente não sabe ainda o tamanho da restrição. A primeira coisa é tentar fazer render o máximo dentro do valor que exista. Podemos ter ganhos de eficácia juntando mais esforços. Por exemplo, eu pedi à Secretaria de Ensino Superior para que faça as universidades federais colaborarem mais entre si para evitar duplicações desnecessárias”, destacou o novo ministro.

Janine Ribeiro destacou também que pretende dar atenção ao ensino a distância e utilizar o conhecimento das universidades federais na educação da sociedade. “Está no nosso horizonte valorizar o ensino à distância, porque ele tem uma parte do custo que independe do número de alunos”, disse. Quanto às universidades federais, o novo ministro destacou que uma ideia possível é fazer com que o aluno, durante o curso, faça um “estágio social”, em que o estudante de Medicina atenda pacientes em regiões carentes, por exemplo. “Isso não está em discussão agora, não é uma proposta, são reflexões de seis, sete anos atrás”, disse, ressalvando que esse estágio não seria obrigatório. “É uma questão de responsabilidade social, no sentido exato de que não há hoje uma formação dos universitários, de que eles são responsáveis pela educação como um todo, pela chance de estudar e chegar lá, custeados pela sociedade, que inclui os mais pobres”, disse, na entrevista à Folha.

Hobbes

Nascido em Araçatuba (SP), Renato Janine Ribeiro, de 65 anos, se formou em Filosofia pela USP em 1971. Em 1973, concluiu o mestrado na Universidade Sorbonne, em Paris, na França, com a dissertação “La Notion de Souverain chez Thomas Hobbes” (“A Noção de Soberano em Thomas Hobbes”), sob a orientação de Pierre Burgelin. Essa dissertação foi publicada em 1978 com o título A Marca do Leviatã e reeditada em 2003. Em 1984, colou o grau de Doutor em Filosofia na USP, com a tese “Ao Leitor sem Medo – Hobbes Escrevendo Contra o seu Tempo”, orientado pelo professor Luiz Roberto Salinas Forte. Entre 1992 e 1993 fez pós-doutorado na British Library.

Desde 1994, é professor titular de Ética e Filosofia Política da FFLCH, onde começou a lecionar em 1975. Já publicou 18 livros, entre eles A Ética na Política (2006), A Sociedade contra o Social – O alto custo da vida pública no Brasil (2005) e A Última Razão dos Reis – Ensaios de filosofia e de política (2003).

Foi membro do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Como diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 2004 e 2008, dirigiu as avaliações trienais de mais de 2.500 cursos de mestrado e doutorado do Brasil. Na USP, foi membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e presidente da antiga Comissão de Cooperação Internacional (Ccint), entre outras funções.

As quatro agendas da democracia

No discurso que pronunciou ao receber o cargo de ministro da Educação, no dia 6 passado, o professor Renato Janine Ribeiro destacou que dirigir o MEC é “um desafio de primeira grandeza”. Para ele, a educação se tornou hoje o principal instrumento para ampliar e consolidar os avanços sociais ocorridos nos Brasil nos últimos anos. “Num primeiro momento, foi necessário atender a necessidades urgentes, prementes, de pessoas que viviam em condições desumanas, assoladas pela pobreza e mesmo pela miséria. Saímos da emergência. Inúmeras vidas foram salvas, oportunidades abertas para milhões de pessoas. Para dar continuidade a isso, temos agora que qualificar o trabalhador, de empoderar o cidadão”, disse.

De acordo com Janine Ribeiro, o Brasil passou por três etapas decisivas na constituição da democracia, que ele chama de “agendas democráticas”. A primeira delas foi a derrubada da ditadura. “Demorou 20 anos, mas a democracia que construímos desde 1985 é a mais sólida de nossa história, nitidamente superior em qualidade àquela que vicejou, sempre tensa, sempre tenra, sempre frágil, entre 1945 e 1964.” A segunda agenda foi a vitória sobre a inflação. “Vencemos a inflação, que durante décadas corroeu a confiança na moeda e, por isso mesmo, nas trocas com os outros e na construção do futuro. Também demorou, também tivemos êxito.” A terceira agenda diz respeito à inclusão social, que tirou da miséria milhões de brasileiros. “Ela é a mais complexa, tanto que ainda não está concluída: a luta pela inclusão social, pelo fim da miséria e pela redução – e depois o fim – da pobreza. Mas em poucos anos, entre 2005 e 2010, a pirâmide social de nossa desigualdade se converteu num losango, que prenuncia uma sociedade justa porque igual em direitos para todos. Cem milhões de brasileiros viviam nas classes D e E em 2005, metade de nossa população. Em apenas cinco anos, cinquenta milhões tinham passado para a classe C, da qual por sua vez uma parte subiu para as classes mais prósperas. Não há paralelo de uma ascensão social tão elevada e tão rápida, proporcionalmente à população do País, em lugar algum do mundo.”

“Ainda restam milhões que precisam melhorar de vida. E os que melhoraram exigem mais, o que é justo e necessário. E assim foi que vi nas manifestações de 2013 o sinal de uma quarta agenda de nossa democracia, possivelmente a única que falta para termos uma democracia efetiva, plena, que funcione: a qualidade dos serviços públicos.”

Segundo Janine Ribeiro, cabe à sociedade brasileira completar a terceira agenda, a da justiça social, e, ao mesmo tempo, efetivar a quarta. “Nada disso é tarefa para um dia, um ano, um mandato. Mas podemos assim deitar as sementes de um novo consenso. Porque, afinal, cada uma das três agendas anteriores nasceu da luta de idealistas ou quase idealistas, que se bateram contra o que então existia, até conseguirem implantar as instituições democráticas, a confiança na moeda, o direito à igualdade social. Estes princípios se universalizam e assim melhoram nossa qualidade de vida.”

O novo ministro lembrou os necessários ajustes na economia e as consequências deles para o Ministério da Educação. “Ao mesmo tempo em que está garantido pela presidenta Dilma que os programas estruturantes e essenciais do MEC serão preservados, assumimos o compromisso de que este Ministério dará sua contribuição ao ajuste, até porque o ajuste não é um fim em si mesmo, mas sim o caminho para prosseguirmos no projeto de inclusão social e de melhoria dos serviços públicos, em especial da educação. É um ajuste que nos permite delinear o futuro.”

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