Avanço em tecnologia de reprodução assistida pode tornar mais próxima a realidade de pacientes com câncer engravidarem após a cura da doença. A resposta positiva veio de pesquisas da cientista brasileira Jhenifer Kliemchen Rodrigues realizadas nos laboratórios do Oregon National Primate Research Center, dos Estados Unidos, com cultivo in vitro (fora do organismo) de folículos ovarianos ainda em estágio inicial de desenvolvimento. Os resultados são descritos em pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
A pesquisadora explica que os folículos são estruturas presentes dentro dos ovários, cada um deles se desenvolve passando por vários estágios de amadurecimento. Jhenifer coletou folículos em estágio secundário, considerado uma fase inicial do amadurecimento, de macacas e analisou o desenvolvimento deles em diferentes amostras de cultivo in vitro.
Foi utilizado material ovariano fresco. Após coletado, os folículos secundários foram cultivados no laboratório, dentro de uma incubadora a 37ºC, por cerca de 40 dias ou cinco semanas. “Esse é o tempo que folículo de primatas leva para se desenvolver do estágio secundário ao antral in vitro“, diz a pesquisadora. Antral é a fase em que o folículo apresenta cavidade antral, cheia de fluido folicular, importante para o amadurecimento do óvulo.
Hormônios masculinos
Ela verificou que, em presença dos hormônios masculinos, os folículos “recuperaram a sobrevida, crescimento, formação do antro (característica de maturação) e produção hormonal”.
O interessante, observa a especialista, é que “por muito tempo, os androgênios foram considerados como prejudiciais à maturação folicular. E hoje, estudos com diferentes espécies de mamíferos e humanos têm contribuído para que, nos últimos anos, esse paradigma tenha sofrido mudanças consideráveis”.
O trabalho de Jhenifer comprovou as ações benéficas dos androgênios (hormônios considerados masculinos) no amadurecimento dos folículos e promoção de crescimento, além de seu papel importante no desenvolvimento folicular inicial.
Jhenifer acredita que o bom desenvolvimento dos folículos em laboratório venha a se tornar uma alternativa em potencial para crianças e mulheres que precisam se submeter a tratamento contra o câncer.
Como a técnica mais usada atualmente na preservação da fertilidade feminina utiliza óvulos maduros – obtidos após estimulação ovariana artificial, ficam limitadas as promessas de maternidade para as meninas que ainda não entraram na puberdade e, portanto, não podem passar por esse processo.
Mais um empecilho para essas pacientes está no uso de outra técnica que, recentemente, vem sendo usada para preservação da fertilidade, a criopreservação (congelamento) de tecido ovariano e posterior reimplante. Segundo a pesquisadora, “essa técnica oferece risco teórico de retorno da doença por ocorrência de células cancerosas no tecido (metástases)”.
Mas os experimentos de Jhenifer estão trazendo luz a esse problema, com o cultivo de folículos ovarianos em estágio secundário de desenvolvimento que encontram-se ainda em fase inicial.
Para as meninas que ainda não atingiram a puberdade e não podem ser submetidas à estimulação ovariana e para as mulheres, que correm riscos de retorno da doença com o reimplante do tecido congelado, o método proposto pela pesquisadora seria alternativa ideal já que todo o procedimento seria realizado em laboratório. Jhenifer acredita que, com a otimização da técnica de maturação folicular em laboratório, essas pacientes sejam beneficiadas.
“Os resultados oferecem indícios importantes para o avanço das tecnologias de reprodução humana. E não somente pela alternativa de preservação da fertilidade em pacientes com câncer. Esse é apenas um lado das respostas importantes desse estudo”, garante a pesquisadora.
Para o incremento da técnica de maturação folicular in vitro, com o amadurecimento de óvulos a partir do cultivo de folículos, Jhenifer afirma que “pode-se propor novos estudos com a adição de hormônios masculinos (testosterona e dehidrotestosterona) ao meio de cultura, uma vez que o estudo mostrou um papel importante destes hormônios para o desenvolvimento dos folículos em laboratório”.
Congelamento e autotransplante
A técnica de criopreservação e reimplante de tecido ovariano já é realizada em vários locais do mundo, apesar de ainda ser considerada uma técnica experimental. Até o momento foram relatados na literatura científica 60 nascidos vivos e cinco gestações em curso. Aqui no Brasil, um transplante já foi realizado, mas “usaram tecido fresco, sem congelamento, e de irmãs gêmeas”.
A proposta subsequente ao estudo de Jhenifer é bem diferente, pois envolve a criopreservação (congelamento) do tecido, previamente ao tratamento do câncer que a paciente será submetida, e, em vez do reimplante na própria pessoa após o restabelecimento de sua saúde, propõe o amadurecimento dos folículos em laboratório antes do reimplante.
Jhenifer lembra que ainda há muito a ser estudado e desenvolvido antes da técnica virar realidade nas clínicas de fertilização. “Precisa ser melhorada em muitos aspectos, como o meio de cultivo, a adição de esteroides, fatores de crescimento. O tecido ovariano foi usado fresco, deve ser testada em tecido ovariano humano criopreservado”.
À frente da Rede Brasileira de Oncofertilidade, que conta hoje com oito centros membros no Brasil, Jhenifer acredita que devem avançar as disponibilidades de informações de qualidade aos profissionais de saúde e pacientes na área. São objetivos da Rede levar informações a médicos e pacientes sobre técnicas atualizadas para preservação da fertilidade e realizar parcerias em projetos de pesquisa.
Uma de suas mais recentes publicações é o livro Preservação da fertilidade: uma nova fronteira em Medicina Reprodutiva e Oncologia, da editora Medbook, ao lado de colegas membros da Rede.
Os resultados da pesquisa de Jhenifer são parte de sua tese Papel dos androgênios na sobrevida, crescimento e secreção de hormônios esteróides e anti-mülleriano por folículos de Macaca mulatta cultivados individualmente em matriz 3D.
Ela foi desenvolvida com orientação da professora Paula Navarro, do Setor de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, e dos professores Richard L Stouffer e Mary Selinski, da Oregon Health and Science University, Estados Unidos, a tese conferiu à Jhenifer seu título de doutorado em 2014 pela USP.
A pesquisadora ainda conquistou o Prêmio Capes de Tese 2015 e uma bolsa de pós-doutorado a ser realizada no Brasil ou exterior a critério da pesquisadora.
Rita Stella / Serviço de Comunicação Social do Campus de Ribeirão Preto
Mais informações: (31) 98325-7959, email jhenifer.kr.pesquisa@gmail.com