Nanuza de Menezes, 50 anos de IB e paixão pela biologia

Com quase 80 anos, a professora continua a se dedicar à anatomia vegetal.

São quase 79 anos de vida – exatos 50 deles dedicados ao Instituto de Biociências (IB) da USP. Entre as docentes da USP em atividade há mais tempo (mesmo que oficialmente aposentada), ela é história viva do ensino de biologia no país, em que já atuou desde o fundamental até a pós-graduação.

Ninguém sabe a receita precisa para esta dedicação e engajamento, que a fazem continuar seu trabalho voluntariamente até hoje. Mas a frase do filósofo Confúcio, colada na porta de sua sala, pode nos dar um bom indício: “Escolhes a profissão que gostas e nunca irás trabalhar”. Assim é a professora Nanuza Luiza de Menezes, uma apaixonada pela botânica que nos conta um pouco do caminho que escolheu e nunca mais largou.

O que levou a senhora a escolher a Biologia?

Eu estudei em uma escola muito boa, o Colégio Estadual Presidente Roosevelt, onde tive uma professora de biologia fantástica. Ela, a Dona Maria de Lourdes Canto, dava aula de genética, aquela coisa linda… E me deixava encantada, falando dos bichos, das plantas.

Uma outra professora dizia que eu tinha que fazer história, ou jornalismo, que eu nasci para ser crítica. Certa vez ela deu um trabalho com o tema: “Foi a Idade Média um período de obscuridade?” no primeiro dia de aula, para entregar em agosto. Todos iam na biblioteca, mas eu era um pouco preguiçosa. Nas férias de julho já estavam com o trabalho pronto e eu nem tinha começado. Perguntei para uma colega qual livro bom ela tinha lido, peguei aquele livro e li somente os resumos dos capítulos. Fiz assim meu trabalho, com oito páginas de papel almaço escrito à mão, enquanto que a minha colega fez um enorme, com capa de couro e letras douradas.

Na hora de devolver, como era uma ótima aluna de história, estava envergonhada. A professora entregou o de todo mundo, mas deixou dois, o calhamaço e o meu. E começou a falar: “As duas consultaram a mesma obra. Uma tem um espírito crítico fantástico, e a outra copiou tudo. Nanuza, pode vir aqui na frente ler o seu trabalho para todo mundo? Foi o único dez que eu dei.” Quase desmaiei, tenho guardado até hoje. Ela não se conformava de eu não fazer crítica ou jornalismo, mas falei: eu gosto de biologia.

E como foi sua trajetória acadêmica?

Fiz História Natural, um curso maravilhoso. Gosto muito de bichos, de plantas, então nunca me arrependi de vir para cá. Na verdade, eu entrei por causa da biologia marinha; eu adoro os bichos do mar, mergulhar, olhar os peixes. Porto de Galinhas é o meu paraíso. Em 1962, o Dr. Joly [Aylthon Brandão Joly, chefe do Departamento de Botânica do IB à época] me chamou e disse que tinha uma vaga de estágio. Mas nunca havia passado pela minha cabeça trabalhar com botânica; eu estava esperando uma vaga no Instituto Oceanográfico. Falei: “sinto muito, mas eu gosto de biologia marinha.” Mas ele me disse para trabalhar com algas marinhas  com ele, “indo pegar as algas, você vê seus bichinhos”. E me convenceu. Deixei os alunos que eu adorava. Dos três colégios, dos quais fui paraninfa das dez quartas séries naquele ano.

  No dia em que cheguei para começar, o Dr. Joly falou que havia muita  gente trabalhando  com algas marinhas no Brasil. Anatomia vegetal eram  só dois. “O Brasil precisa de  anatomistas”, disse. Se alguém me dissesse  que um dia eu seria anatomista vegetal, eu diria:  “você está  completamente louco!” Mas comecei a me interessar. Ele sugeriu que eu trabalhasse com uma planta que cresce nos campos rupestres  brasileiros, e também várias  outras famílias. Olhei aquelas velosiáceas,  conhecidas como canelas-de-ema na Região, e  decidi que era com elas  que eu ia trabalhar. Comecei a fazer a anatomia e, para encontrá-las,  descobri os campos rupestres, a Serra do Cipó em Minas Gerais. Quando  eu conheci aquela  região, pensei “é aqui que eu fico”. Até hoje o meu  grupo e os alunos aqui formados  trabalham com o campo rupestre, onde  comecei.

Qual foi projeto mais relevante para sua carreira? 

Descobri uma velosiácea gigante, Canela de Ema Gigante, que descrevemos agora, o Renato Mello Silva e eu. Apesar de ter mais de seis metros de altura, – um verdadeiro fóssil vivo! – era uma espécie nova. Nunca tinha sido descrita.

Nós, Dr. Joly e eu, ouvíamos falar nas canelas gigantes pelos “caçadores de orquídeas”. Atrás destas, derrubavam o que viam na frente – até mesmo uma planta dessas com mais de mil anos de idade – para pegar uma micro-orquídea chamada Constantia cipoensis. Através desses caçadores, chegamos às canelas gigantes. Depois de muito papo, muita cerveja, um deles nos levou. Quando chegamos, vimos aquela maravilha, mas muita planta no chão. Ficamos indignados e começamos, junto com um grupo de Minas Gerais, um movimento por um Parque Nacional da Serra do Cipó. Primeiro foi criado como parque estadual, e depois transformado em nacional. Graças a isso, eu tenho o título de Cidadã Honorária de Santana do Riacho, vilarejo ao qual a Serra pertence.

O que considero para minha vida como muito importante foi ter trabalhado na Serra do Cipó, ter encontrado essa vegetação. Ter feito teses, mestrado, doutorado, livre-docência e titular no campo rupestre, vegetação de montanha no Brasil, ter orientado cerca de 37 dissertações e teses nessa região e, sobretudo, ter levado para esse local muitos botânicos e zoólogos que lá fizeram suas pesquisas e me homenagearam com nomes científicos de plantas e animais.

Uma outra coisa: quando quiseram tirar a mata de Caucaia do Alto para fazer um aeroporto, eu era presidente da Sociedade de Botânica do Brasil (SP). Encabecei a campanha “Defenda o Verde de Caucaia”, que foi vitoriosa. Hoje, Guarulhos é o local do aeroporto internacional graças ao nosso movimento. Tenho a honra de ter liderado isso juntamente com Aziz Ab’saber, Roberto Burle Marx e José Lutzemberger. A vitória de Caucaia foi contra o Governo do Estado de São Paulo na época da ditadura. Eu nunca tive medo de dizer o que estava errado.

Que aspectos da sua personalidade mais influenciaram seu caminho até aqui? 

Eu acho que sou de um astral excelente. Até morrer, se Deus quiser, vou ser assim. A coisa mais importante da minha personalidade é gostar da vida, gostar de viver. Gostar das pessoas… Adoro viver rodeada de amigos. Gosto demais do que faço. Amo meu trabalho, as pessoas ao meu lado. E amo as plantas e os animais.

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