USP: lembranças 1968

Madalena Pedroso Aulicino, egressa da Faculdade de de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 


Foi uma vitória entrar no Curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, em 1968, em plena ditadura, morando no Bairro da Penha do Município de São Paulo, vindo de uma escola pública estadual (Instituto Estadual de Educação Nossa Senhora da Penha) e sem cursinho, como mais colegas.

Tudo bem no primeiro semestre, e num dia do segundo semestre, chegando à Rua Maria Antônia, o que se viu foi literalmente, uma batalha entre os dois prédios, da FFLCH e do Mackenzie: fumaça, tiros, bombas, gritos, que resultaram em morte, feridos, presos…

Não tive coragem de permanecer no meio daquele alvoroço, e assustada, talvez covardemente, voltei para casa. O prédio da FFLCCH ficou muito prejudicado e não pudemos concluir o semestre ali; algumas disciplinas foram finalizadas no prédio da História e Geografia da Cidade Universitária, e uma delas, porque não havia mais sala disponível, sob uma das rampas de acesso ao primeiro andar, nos cubos de concreto como assento, 1969, nos ‘barracões’ da Cidade Universitária.

No início de 1969, passamos a ter aulas no que chamávamos de ‘barracões’, estruturas de concreto, construídas/montadas rapidamente, na Cidade Universitária, para a continuidade dos cursos que funcionavam na Rua Maria Antônia. Muito quentes no verão e gelados no inverno, e foi num desses dias frios, que um certo alvoroço nos tirou da aula para saber o que ocorria.

Chegamos a uma sala, onde o Prof. Florestan Fernandes arrumava suas coisas numa pasta de couro, porque havia sido aposentado compulsoriamente, e proibido de lecionar a partir de então.
Perguntado se poderia fazer algum comentário, respondeu que não, e que nem esperava que houvesse uma manifestação pública.

Pegou sua pasta e dirigiu-se ao seu carro no estacionamento; nós o acompanhamos e ficamos parados ali, vendo a perua branca afastar-se lentamente, o vento frio a nos cortar o rosto e o olhar perdido no vazio imenso que ficou…

A imensa paineira, referência da paisagem.

Era uma linda árvore, entre a Eusébio Matoso, a Avenida Waldemar Ferreira e a Vital Brasil; bem próximo ficava o ponto do Circular, que percorria regularmente toda a Cidade Universitária, e era também o ponto final do ônibus que partia do Largo da Concórdia, em direção ao mesmo espaço universitário.

Era um acolhedor ponto de encontro, sob a sombra da copa frondosa, toda cor de rosa, quando as flores brotavam, colorindo a paisagem.

Mas, como muitas outras árvores de nossa amada cidade de São Paulo, não existe mais…

Deu lugar à passagem de veículos, ao asfalto e ao concreto; e hoje pagamos o preço de nossas escolhas, com o solo impermeabilizado, enchentes, enxurradas, reduzindo tanto sombras acolhedoras e refrescantes, quanto flores coloridas a nos encantar o olhar…

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