Se a vida às vezes imita a arte, nem sempre o laboratório imita a vida. E isso vale especialmente para a física molecular. A transposição de reações e experimentos realizados isoladamente em laboratórios na universidade para um contexto prático pode significar um grande avanço tecnológico em áreas como a produção de energia, por exemplo. Mas no caminho de uma substância do laboratório até a indústria, onde será aplicada em situações diversas, muita coisa precisa ser entendida.
Dentro desse cenário, desde a década de 1990 o Grupo de Física Molecular e Modelagem, do Instituto de Física (IF) da USP, busca comparar a dinâmica de substâncias isoladas com a realidade, estudando o comportamento de moléculas orgânicas em meio líquido.
O objetivo é entender como as propriedades moleculares são afetadas pelo meio através da combinação de simulações computacionais de mecânica estatística e mecânica quântica. As pesquisas permitem facilitar a reprodução das reações em outros materiais e podem vir a ser adaptadas em experimentos e no setor produtivo.
Simulação
A análise do comportamento das moléculas isoladamente é mais simples e fácil de ser realizada. Os processos bioquímicos, porém, costumam ocorrer em meio aquoso – o que interfere na interação das moléculas, pois elas estão se movendo constantemente, e isso não acontece no meio sólido. São diversas conformações distintas que impedem uma descrição do sistema, já que não apresentam um padrão de configuração. É preciso ter uma amostragem de diversas formações que represente a diversidade do líquido.
A dinâmica das moléculas exige uma metodologia de pesquisa mais avançada, que acompanhe sua evolução temporal e as distintas conformações. Para isso, é utilizada uma simulação computacional. O avanço tecnológico das últimas décadas em equipamentos e softwares permitiu a execução de simulações sofisticadas, capazes de fornecer resultados relevantes.
Os algoritmos desenvolvidos pelos pesquisadores do grupo são os recursos para a produção dos softwares. Eles permitem visualizar o comportamento das substâncias orgânicas no meio líquido em diferentes condições de temperatura e pressão. A estrutura das moléculas é determinada estatisticamente e são comparadas suas propriedades quando estão isoladas. Os dados obtidos viabilizam futuras pesquisas experimentais.
Luz
Nos últimos tempos, a atenção desses pesquisadores tem se voltado para uma substância em especial: a clorofila. A absorção da luz por esse pigmento fotossintético é a ação mais importante que leva à fotossíntese. O que o grupo procura entender é como essas moléculas absorvem a radiação proveniente do sol. O conhecimento do comportamento desses pigmentos em seu meio “real” pode contribuir para a produção de células solares e sistemas de geração e armazenamento de energia solar.
A clorofila – explica o coordenador do grupo, professor Sylvio Canuto – é um absorvedor muito bom de luz, e há o interesse em produzir materiais que sejam tão eficientes quanto ela. Quando se conseguir fazer isso, acredita, será possível resolver o problema de energia. E completa: “nós estamos constantemente expostos à energia do sol e não fazemos nada com ela”.
Grandes investimentos têm sido realizados, principalmente nos Estados Unidos, em busca da fotossíntese artificial. Entretanto, a criação desses modelos não é o objetivo deste grupo, de caráter eminentemente teórico. O foco é a construção de um conhecimento básico que poderá ser usado por outros cientistas, como físicos experimentais, por exemplo.
Outros estudos
Dentro do tema central – como propriedades das moléculas se modificam de acordo com o meio – o grupo busca desenvolver outros métodos e algoritmos. Todo sistema líquido possui um ponto crítico, que é a transição entre a fase gasosa e a fase líquida, chamada “região supercrítica”. Tais pontos já eram estudados pela mecânica estatística, mas a tentativa agora é envolver a mecânica quântica, analisar e determinar a suas estruturas eletrônicas, muito importantes em um fluido. A pesquisa também é feita através de simulações computacionais que podem corroborar resultados experimentais, já que há fenômenos que não podem ser medidos experimentalmente.
Outra linha de pesquisa do grupo é a “Dinâmica do Estado Excitado”. Uma molécula de interesse biológico absorve energia em seu estado de excitação. Se ela participar de reações nessas condições, as consequências podem ser perigosas para a saúde. O DNA, por exemplo, pode danificar o organismo humano. O sistema precisa ser eficiente em se livrar dessa energia de uma forma não danosa. O estudo, ainda em andamento, quer saber o destino dessa energia, que pode ou não ser radioativa.