Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP tem o propósito de esclarecer a evolução de alguns genes que codificam proteínas do Schistosoma mansoni, parasita causador da esquistossomose. Também conhecida como “barriga d’água”, a doença é transmitida por caramujos que hospedam o parasita temporariamente e penetra na pele de humanos quando entram em contato com a água habitada pelos moluscos.
Pesquisadores do IFSC descobriram uma classe de proteínas denominada genes de micro-exons. Esses genes são compostos por pequenos exons (pedaços de genes que codificam proteínas) e podem ser utilizados para a geração de variações antigênicas, ou seja, a partir de um gene, essa classe pode produzir outras proteínas variantes. Além disso, esse complexo sistema genético, nunca descrito em nenhum outro organismo, permite a produção de proteínas secretadas pelo parasita.
Grande parte das proteínas codificadas pelos micro-exons é secretada no esôfago do Schistosoma mansoni, uma região bastante exposta do parasita. Os pesquisadores observaram que as proteínas do parasita, expostas ao sistema imune do hospedeiro, evoluem rapidamente obtendo uma taxa de mutação muito maior do que outras proteínas deste organismo.
Em artigo publicado em janeiro na Genome Biology and Evolution, os pesquisadores descrevem análise computacional que ajuda a compreender a evolução desses genes: ao comparar os mesmos genes de diferentes espécies do parasita constatou-se que o nível de identidade entre essas classes é baixo.
“Quando estudamos a evolução, precisamos comparar organismos diferentes para verificá-los e tentar inferir o processo evolutivo que ocorreu ao longo de milhões de anos”, explica o professor Ricardo De Marco, do Grupo de Biofísica Molecular “Sérgio Mascarenhas”, do IFSC, autor do artigo em conjunto com a pesquisadora Gisele Philippsen, também do IFSC, e o professor Alan Wilson, da University of York, no Reino Unido.
Essas mutações ocorrem comumente em qualquer organismo. Embora na maioria dos seres essas evoluções sejam negativas, observou-se que as mutações das proteínas expostas ao sistema imune têm caráter positivo para o parasita, principalmente, em razão do Schistosoma se instalar por um longo período no corpo humano, fazendo com que o nosso sistema possa reconhecer e combater o parasita por intermédio da identificação dessas proteínas.
Variações
O problema, segundo De Marco, é que essa classe de proteínas sofre variações e, por este motivo, o sistema imunológico não produz os anticorpos necessários para combater o Schistosoma mansoni, mantendo-o livre dentro do corpo humano. “Esse método beneficia os organismos que já sofreram mutações. Quando observamos esse processo evolutivo, vemos que as proteínas se alteram rapidamente e o número de variações dessa classe é grande entre cada espécie do Schistosoma”, diz ele.
Para compreender essa evolução, os pesquisadores compararam a taxa de mutações sinônimas — quando a mudança no DNA do organismo não acarreta em mudança da proteína codificada pelo mesmo — e não-sinônimas — quando ocorrem alterações no DNA do organismo que mudam as proteínas.
Ao medirem esses parâmetros, computacionalmente, os especialistas notaram que, no caso de genes que codificam proteínas do Schistosoma expostas ao sistema imune, havia uma taxa de mutação não-sinônima muito mais alta em relação àquelas comumente observadas. “Isso mostra que existe algo que induz a proteína a evoluir. Além dos genes micro-exons, outras duas classes de proteínas também apresentaram alta taxa de mutação, sendo que ambas são consideradas candidatas vacinais”, afirma Ricardo De Marco.
Atualmente, está disponível no mercado um fármaco eficiente ao combate do Schistosoma. Porém, esse medicamento elimina apenas o parasita que está hospedado no organismo humano, não protegendo o indivíduo de futuras infecções. “O fármaco que está à venda é muito bom. Mas, para o Schistosoma é importante o desenvolvimento de uma vacina, pois ao contrário do fármaco, ela oferece uma proteção permanente, que impede a reinfecção”, explica o professor do IFSC, que agora está investigando a estrutura das proteínas do parasita.
O alto grau de diferentes mutações dificulta enormemente o desenvolvimento de vacinas que possam combater o Schistosoma. Portanto, o referido trabalho deverá resultar na melhor compreensão da relação entre parasita e hospedeiro, bem como na verificação de dados que poderão preencher esse campo de pesquisa, já que, ao entender essa rápida evolução, será possível descartar várias estratégias cogitadas para derrotar o parasita, podendo, talvez, acelerar o desenvolvimento de uma possível vacina que seja eficiente no combate, prevenindo a reinfecção do indivíduo.
Rui Sintra / Assessoria de Comunicação do IFSC
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