Dez anos após se tornar herdeira de um museu, a USP apresenta seu futuro polo cultural na cidade de Campos do Jordão. Inaugurada na última quinta-feira, 9 de maio, no Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP, a exposição Uma Casa para a Xilogravura apresenta um pouco da história e do acervo do museu Casa da Xilogravura.
A xilogravura é uma técnica que utiliza a madeira como matriz e possibilita a reprodução, sobre papel ou outro suporte adequado, da imagem gravada. Seu processo lembra o funcionamento de um carimbo. Além da ideia de perpetuação de sinais, Luiz Cláudio Mubarac, professor do Departamento de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ressalta que a xilogravura é uma manifestação da gravura de estampa, feita para ser impressa várias vezes, incluindo, assim, a noção de disseminação.
Perpetuar e disseminar era o que buscavam também Antônio Fernando Costella e sua mulher, Leda Campestrin, ao tornar a USP herdeira de seus mais de 25 anos dedicados à Casa da Xilogravura. O museu, fundado por Costella em 1987, possui hoje 30 salas e um acervo de 400 artistas brasileiros e estrangeiros representados por, aproximadamente – eles já até perderam a conta precisa –, cinco mil xilogravuras.
No início dos anos 2000, preocupado com o futuro da Casa, Costella pensou em doar o acervo. A Pinacoteca do Estado de São Paulo foi cogitada, mas devido a suas características, havia possibilidade de as xilogravuras se tornarem reserva técnica, ficando mais distante do acesso público. Além de seu vínculo com a USP ser antigo e forte – ele se formara na Faculdade de Direito (FD) e foi um dos primeiros docentes da ECA –, Costella enxergou na Universidade a possibilidade de doar a Casa da Xilogravura por completo (acervo e sede), mantendo a unicidade da coleção.
Em 2003, reconhecendo a diversidade e relevância do acervo, uma comissão deu parecer favorável à aceitação da proposta. Entretanto, de acordo com a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, somente em meados de 2012 a Universidade iniciou um contato mais direto com a Casa da Xilogravura.
Após visitar a Casa se dizer “impressionadíssima” com o que viu, Maria Arminda propôs ao diretor do CPC, José Tavares Correia de Lira, a ideia da exposição. “Apesar de muito reconhecida e respeitada, a Casa não era conhecida da Universidade. A exposição visa, então, não só dar a conhecer o museu, mas também começar a discussão sobre como tratar e zelar por aquele acervo, como utilizar seu espaço e também como incentivar pesquisas relacionadas à coleção, aproximando a vida acadêmica dessa nova instituição da USP”, afirma Lira.
Entre as futuras ações da USP na Casa, Lira destaca as demandas básicas de um museu, como conservação, higienização e, sobretudo, atualização dos catálogos e documentação. Ele cita também as atividades educativas que já são realizadas no museu, como cursos e palestras, e acredita que essas propostas possam ser aprofundadas na Universidade.
A pró-reitora ressalta o caráter ainda incomum no Brasil desse tipo de doação de acervos e, neste caso mais ainda, de um museu inteiro. Para Luiz Cláudio Mubarac, ações como essa acontecem em virtude da importância e visibilidade da Universidade. “A USP é uma espécie de depositário nacional. No fundo, é o mesmo esforço de duração de sinais gravados em cavernas: a pessoa quer que alguém cuide, veja, use aquilo de alguma maneira”, compara. Ele acredita que a Casa da Xilogravura também poderá estabelecer elos com o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), o Departamento de Artes Visuais da ECA – e a própria ECA como um todo.
Sintética, a exposição tem curadoria do próprio casal fundador e foi pensada para ser itinerante, circulando pelos diversos campi da Universidade.
Um pouco de história
A xilogravura chegou atrasada ao Brasil. O professor Mubarac explica que, até 1808, qualquer técnica de impressão, texto ou imagem, era proibida no país pela coroa portuguesa. Só a partir daquele ano, com a mudança da família real para o Brasil, instala-se a Imprensa Régia e, com ela, surgem as primeiras xilogravuras, utilizadas ainda para fins oficiais, como a construção de mapas.
Mas é só no final do século seguinte que começa a história da Casa da Xilogravura. Em 1978, Antônio Costella comprou uma casa construída no final da década de 20, em Campos do Jordão. Sua intenção era morar lá, mas, em 1981, o professor fez um curso de xilogravura e se apaixonou pela técnica. Em 1987, nos espaços de sua própria casa, inaugura a Casa da Xilogravura. No começo, o acervo – com obras de não mais do que 20 artistas – ocupava apenas três cômodos e abria somente aos finais de semana.
Por problemas de saúde, no final dos anos 1990, Costella foi obrigado a fechar o museu. Mas a pausa não durou muito e após três anos trabalhando a portas fechadas no seu incremento, em 2004, Antônio e Leda reabriram a Casa da Xilogravura. Menos de um ano depois, o casal seria “expulso” de seu próprio lar por um acervo que não parava de crescer.
A Casa possui mostras temporárias e permanentes, além de uma biblioteca, uma tipografia completa e um linotipo, apresentando, assim, outras técnicas de impressão que dialogam com a xilogravura. Entre 2010 e 2011, além do pequeno ateliê, o museu ganhou mais um, maior e melhor equipado. O plano agora é realizar um recadastramento de todas as obras. “Vai um ano nisso, mas quero ver se já consigo deixar a maior parte do acervo para a USP”, afirma Costella, entusiasmado.
Todas as peripécias do casal Costella para constituir por iniciativa própria a Casa da Xilogravura são narradas de forma muito leve e agradável por Antônio em O Museu e Eu (Editora Mantiqueira, 2012).