Formada pela USP, a produtora executiva do longa O Menino e o Mundo – que no domingo (8) concorreu ao prêmio de Melhor Filme de Animação –, Tita Tessler, explica como sua equipe conseguiu fazer uma grande obra com um orçamento de apenas R$ 2 milhões
Ainda que pouco expressivo, o Brasil marca presença em grande parte das edições do Oscar. Neste ano, a 88ª edição da premiação promovida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos contou, pela primeira vez, com um indicado brasileiro na categoria Melhor Filme de Animação: o longa O Menino e o Mundo, assinado por Alê Abreu.
Segundo a produtora executiva de O Menino e o Mundo, Tita Tessler, que é formada pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, todo o filme já estava montado em animatic – uma história em quadrinhos com desenhos básicos e animados digitalmente – antes do início da produção. “O Alê (Abreu) literalmente desenhou um rascunho do filme inteiro. Essa espécie de ‘pré-animação’ serviu como guia durante toda a produção e fez as vezes de um roteiro ao longo do trabalho”, diz ela.
Para a produtora, a experiência adquirida na USP foi essencial para que ela trabalhasse, hoje, com projetos da dimensão de O Menino e o Mundo. “Foi o lugar onde pude errar, onde tive total liberdade e apoio para correr atrás de projetos e propor ideias”, lembra Tita. “As experiências na USP foram fundamentais para a minha formação como profissional, tanto no quesito intelectual quanto na prática da produção audiovisual.”
Múltiplas funções
O filme, de enredo simples, encanta por remeter a situações vividas diariamente por muitas famílias. Diante da falta de emprego na pequena aldeia onde vive, um homem sai em busca de trabalho na cidade, deixando seu filho e esposa. O menino sofre de saudades do pai e decide ir atrás dele. A viagem leva o garoto a descobrir um mundo fantástico, dominado por “máquinas-bichos” e estranhos seres, além da desigualdade e da injustiça.
O longa brasileiro disputa o prêmio de Melhor Filme de Animação com produções que têm orçamento na casa das centenas de milhões de dólares, como Divertida Mente (2015), da Pixar Animation Studios. Tita conta como a equipe do filme driblou o baixo orçamento da produção, cerca de R$ 2 milhões. “A maioria adotava múltiplas funções, a começar pelo Alê, que trabalhou incessantemente para que o longa acontecesse dentro do orçamento e prazo previstos.”
A própria Tita foi responsável por diversas atividades, como administração financeira, contratação de equipe, serviços de terceiros e contato com patrocinadores, distribuidores e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), entre outras.
A produção é formada pela mistura de técnicas artísticas, desde traçados simples até colagens. Todo o cenário e as “peças” dos elementos foram desenhados e pintados à mão, depois montados e animados no computador. O diretor foi responsável por toda a animação do filme (definir as posições dos personagens) e a equipe de animadores contratada fazia a chamada “intervalação”, ou seja, construía as posições intermediárias.
O filme possui poucas falas, e as que existem são em um idioma inventado, o “português invertido”. Para suprir a falta de diálogos e enriquecer ainda mais a obra, a trilha sonora foi cuidadosamente escolhida e é riquíssima, incluindo nomes como Emicida, Barbatuques e Naná Vasconcelos.
O Menino e o Mundo estreou, originalmente, em janeiro de 2014. Um dos requisitos para um filme estar apto a concorrer em alguma categoria do Oscar é ser exibido em um cinema de Los Angeles por, no mínimo, uma semana. A produtora explica esse espaço de tempo entre a estreia e a nomeação do longa à premiação: “O lançamento do filme foi adiado nos Estados Unidos por uma estratégia da distribuidora americana, a GKids. Em 2015 eles já tinham títulos fortes, como o japonês O Conto da Princesa Kaguya e o irlandês Song of the sea. Eles acharam melhor adiar o lançamento do filme para tentar concorrer no ano seguinte”.
Desigualdade
Apesar da animação remeter diretamente à infância, O Menino e o Mundo trata de temas complexos, como a desigualdade. Tita narra uma experiência que teve com estudantes do Colégio Johann Gauss, na zona sul de São Paulo, que ilustra essa dualidade. “As crianças não têm referências para compreender a crítica social e nem mesmo conseguem racionalizar que se trata de uma crítica, mas elas absorvem tal mensagem da maneira delas, compreendem que existe uma ação e reação quando, por exemplo, veem que o rio em que o Cuca brincava quando criança está poluído e sem vida.”
Quanto à 88ª edição do Oscar, que aconteceu neste domingo, dia 28, a produtora comenta: “Pessoalmente, acho que a visibilidade que essa indicação deu ao filme já é um grande prêmio”.
Além da torcida dos brasileiros, o longa contou também com o incentivo inusitado do diretor norte-americano Tim Burton, de animações famosas como A Noiva Cadáver. “A Pixar já tem muitos prêmios”, justificou Burton, com muito bom humor, durante visita a uma exposição dedicada a ele no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, no início deste mês.
Bate papo
Tita Tessler, formada em Audiovisual pela ECA e produtora do filme de animação indicado ao Oscar “O Menino e o Mundo”, conversou sobre a USP e a produção de animação com os alunos Renato Duque e Mariana Viera, que estão finalizando “Oceano”, um curta-metragem de animação.
Confira abaixo o vídeo da TV USP.
Maria Beatriz Barros/Jornal da USP
Atualizado 29/02/2016 17:21