Patê de alho silvestre, geleia de malvavisco e de gardênia, beldroegão refogado e refresco de picão com limão. O menu que pode soar um tanto quanto excêntrico é, na verdade, símbolo de uma tendência que chega com força, aliada à agricultura urbana: as Pancs, ou plantas alimentícias não convencionais. Um encontro com organização do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP foi palco de diálogo e atividades práticas sobre este tema, entre outros.
Antes parte da programação do Simpósio Interdisciplinar de Ciência Ambiental, o Encontro de Iniciativas Socioambientais (EISA) ganhou a sua independência nesta segunda edição, em um evento de três dias dedicados ao tema “Do evento ao movimento de agricultura urbana”.
Joaquim Alves, mestrando do Procam, e um dos organizadores, conta que o EISA teve a proposta de “trazer o debate científico em torno da ciência ambiental e juntá-lo ao debate da extensão universitária, da educação ambiental e das iniciativas que podem ter contato com a academia, mas não necessariamente são realizadas por ela”.
Esses são trabalhos, em geral, de ONGs que atuam com educação ambiental ou com jardinagem. Para o gestor ambiental, o primeiro EISA teve um grande papel na aproximação desses setores, o que permitiu a “pauta mais robusta em relação à agricultura urbana” da segunda edição.
Práticas não acadêmicas
Em uma breve pesquisa para a elaboração de um artigo científico, os organizadores perceberam que não existem muitos trabalhos acadêmicos sobre agricultura urbana, e que, a despeito disso, é observada na capital paulista a sociedade civil – na forma de coletivos, ONGs e pessoas – ocupando e se apropriando de praças, terrenos públicos e privados. “Muito mais inserida, portanto, no movimento e no tema do que a própria academia”, explica Henrique Kefalás, oceanógrafo e mestrando do Procam.
Kefalás destaca que próprio termo “encontro” sugere uma interação entre o chamado terceiro setor e a academia, cuja produção científica não se deveria descolar das necessidades dos movimentos. “A intenção é conseguirmos algumas articulações para que realmente possam ser tomadas iniciativas pontuais e práticas”, comenta.
Diálogo e ação
O segundo EISA aconteceu no início de dezembro na Cidade Universitária com palestras, exposições, oficinas e apresentações. No primeiro dia, professores considerados referências no tema participaram da mesa de abertura: Marcos Sorrentino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, Emmanuel Almada, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, mediando a mesa, a hortelã urbana e jornalista Claudia Visoni.
O objetivo era provocar os participantes do evento: na medida em que a fala fosse pronunciada, esperava-se uma reflexão da plateia, que em alguns casos tinha seu primeiro contato com acadêmicos da área. O discurso dos professores transpareceu a esperança em uma mudança no modelo de agricultura atual. Temas como compostagem, plantas medicinais, consumo de água, separação entre campo e cidade e agricultura familiar também ganharam lugar.
Em seguida, vieram as atividades práticas. No primeiro dia, foi oferecida uma oficina sobre telhados e paredes verdes com o engenheiro agrônomo Volker Minks, da Universidade de Humboldt, na Alemanha.
Em outra atividade, o gestor ambiental Guilherme Ranieri levou o público à horta do Procam, onde mostrou espécies de plantas alimentícias não convencionais, as Pancs, indicando como reconhecê-las e prepará-las.
De acordo com o pesquisador, o maior estímulo ao consumo das Pancs é o conhecimento – o fato de a pessoa saber que aquele vegetal é comestível e como prepará-lo gera uma demanda diretamente relacionada ao aumento do consumo.
Para ilustrar, Ranieri levou algumas preparações simples feitas com os vegetais, e o público teve oportunidade de experimentar o quão saborosas as Pancs podem ser.
Extensão universitária
Para Joaquim Alves, este tipo de evento tem uma grande importância ao fortalecer a dimensão da extensão, e da Universidade como um local irradiador de informação e de ciência. “A Universidade tem muito respaldo porque gera conhecimento, e traz o que há de mais novo acontecendo na sociedade. O que queremos é unir o acadêmico ao prático.”
Alves conta que um terço dos inscritos no EISA foram oriundos de prefeituras e de governos, inclusive de fora do estado. Isso mostra a dimensão da complexidade do tema, dado que abrange, além da academia e do terceiro setor, o Estado. Em última instância, o Estado pode ser um grande incentivador da prática, em especial se embasada em pesquisas que busquem dar respostas às dificuldades e limitações que hoje se apresentam.