Sylvia Miguel / Jornal da USP
O mecanismo REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) surgiu em 2003, na 9ª Conferência do Clima em Milão, Itália, e seu conceito inclui na contabilidade das emissões de gases-estufa aquelas emissões que são evitadas pela redução do desmatamento e da degradação florestal. Mesmo amplamente conhecido e percebido como um benefício a mais quando o assunto é manter a floresta em pé, o REDD “ainda é um discurso de workshop” e está distante de ser realizado porque “não existe ambiente institucional definido” para a sua implantação, afirmou Roberto Smeraldi, da organização não-governamental Amigos da Terra Amazônia Brasileira. O jornalista integrou os debates do seminário Economia verde na Amazônia: desafios na valorização da floresta em pé, realizado no dia 29 de novembro no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
O encontro organizado pelo Programa Amazônia em Transformação: História e Perspectivas (AmazonIEA), do IEA, reuniu especialistas para debater instrumentos de mercado, financiamentos, políticas públicas, estratégias empresariais e outros temas visando à valorização da floresta em pé. Os debates aconteceram num momento em que 192 países estavam reunidos em Durban, África do Sul, para buscar consenso sobre o futuro pós-Protocolo de Kyoto, cuja vigência termina em 2012.
O mercado global de carbono estava numa condição de bolha e foi precificado a partir de uma percepção mais realista e menos especulativa, lembrou Smeraldi. Mesmo diante das incertezas se haveria ou não a prorrogação das regras do protocolo, estava sendo aguardado para quinta-feira, 1º de dezembro, o anúncio de uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) específica para regular o mercado voluntário de carbono no Brasil.
“Há muita coisa acontecendo, especialmente na iniciativa privada. Mas ainda há pouca divulgação porque as empresas preferem mostrar resultados ou projetos mais consistentes antes de anunciar qualquer coisa”, disse Warwick Manfrinato, integrante do grupo de estudos sobre Amazônia do IEA, durante os debates.
Financiamentos
Se não é apenas pela redução dos gases-estufa, a preservação das florestas ainda existentes no planeta passou a ser um objetivo mundial também pelo enorme impacto positivo sobre a biodiversidade, a regulação do clima, a conservação das águas e a proteção do solo. Manter a floresta em pé também assegura outros serviços ecossistêmicos como o fornecimento de alimentos, madeira, fibras, energia, medicamentos e outros produtos que atendem às necessidades humanas há gerações.
Nesse contexto, a floresta amazônica é uma preocupação mundial. O mais intrigante é que a preservação da “grande floresta” não depende apenas de recursos financeiros, mostraram alguns palestrantes. “Hoje o Fundo Amazônia tem dinheiro sobrando e faltam proponentes com projetos organizados e consistentes. Curiosamente, quase não há propostas dos Estados, que teriam condições de se organizar e fazer boas propostas”, disse Sérgio Weguelin, superintendente da Área de Meio Ambiente do BNDES.
Segundo Weguelin, há 23 projetos financiados atualmente através do Fundo Amazônia e esse número poderia dobrar. “Os não aprovados geralmente não mostraram de forma clara a lógica da intervenção do proponente, com resultados e indicadores verificáveis. Não dispomos de uma equipe para montar projetos e por isso eles devem chegar bem organizados”, apontou.
Além do Fundo Amazônia, Weguelin disse que o BNDES está apostando suas fichas na valorização da floresta em pé com a recente criação de uma área de meio ambiente. Há também a previsão do lançamento de um Mercado de Capitais Verde. O banco está focando os negócios madeireiros, de créditos de carbono e de tecnologias verdes, entre outras atividades.
“Há 9 mil serrarias na Amazônia e a maioria é ineficiente. Buscamos entrar nesse setor de forma combinada com ONGs, Ministério Público e outras entidades. Por outro lado, esperamos em breve lançar o Mercado de Capitais Verde, um produto que deverá impulsionar o mercado de carbono e o mecanismo REDD”, disse Weguelin.
Diversidade
O debate sobre a preservação da biodiversidade, do clima e da floresta não pode passar ao largo das questões humanas, lembrou a professora Maritta Koch-Weser, coordenadora do programa AmazonIEA. A pesquisadora vê o acesso à internet e à energia descentralizada como fundamental às comunidades da região. A ansiedade sobre as “regras do jogo” e o desconhecimento das oportunidades devem ser enfrentados no âmbito da perspectiva empresarial. Sob o aspecto de sustentabilidade, destacou que o extrativismo deve ser complementar em sistemas agroflorestais.
Na visão do ex-reitor e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP Jacques Marcovitch, o debate sobre a Amazônia hoje remete a quatro grandes temas: biodiversidade; clima, água e terra; social; e conflitos. “Há uma ausência de ordem e lei naquela região, muita pobreza, uma proliferação de mães adolescentes deixando os filhos sendo criados pelas avós, para trabalharem nas cidades sem condições mínimas de qualificação. Como ver um futuro de mercado e de ciência num ambiente que prospera desta forma?”, indagou.
Para Marcovitch, é possível construir a complementaridade entre ciência e mercado a partir da compreensão das cadeias setoriais, do conhecimento regional e avanço sobre questões de patentes e propriedade intelectual, além da formação de recursos humanos em setores como o de manejo florestal e de pescados, exemplificou.
“Financiamento por si só não é o grande entrave para o desenvolvimento da Amazônia. As grandes diferenças biológicas e sociológicas resultam num território de grande complexidade. Para começar, seria necessário retirar da ilegalidade a grande maioria dos empresários amazônidas. A economia necessita de formalização; é imprescindível a regularização fundiária e ambiental. Uma anistia é necessária, pelo menos para avançar contra a hostilidade existente entre a população e os governos”, disse Denis Benchimol Minev, da Sociedade Fogás Ltda., o maior e dos mais tradicionais grupos empresariais do Amazonas.
Charles R. Clement, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), disse que é preciso “mais imaginação” nos editais voltados à Amazônia, pois só “visão e vontade política” poderão mudar os rumos da região que, na sua visão, é “uma colônia do Brasil”. Virgílio Viana, da Fundação Amazonas Sustentável, Celso Grecco, da Atitude & Pensamento Estratégico, Marcelo Cardoso, da Natura Cosméticos e outros especialistas participaram dos debates.