Estudo da Poli mostra que queima de resíduos pode ajudar a fabricar nanomateriais

Gases gerados na queima de bagaço de cana, resíduos de milho, pneus e PET foram usados para fabricar nanotubos.

Valéria Dias / Agência USP de Notícias

Os gases emitidos pela queima do bagaço de cana de açúcar, resíduos de milho, pneus velhos inservíveis e garrafas PET pós uso podem ser utilizados na fabricação de nanotubos de carbono, como mostra estudo realizado pelo físico Joner de Oliveira Alves, na Escola Politécnica da USP. Testes realizados em laboratório mostraram que, dentre esses quatro resíduos testados, os gases resultantes da queima do bagaço de cana apresentaram os melhores resultados, gerando nanotubos em um volume maior e com mais pureza. A queima de resíduos de milho apresentou resultados parecidos com os obtidos com o bagaço; já com o pneu e o PET, os resultados foram um pouco inferiores.

Os nanotubos de carbono são formados por folhas tubulares coaxiais de grafeno cujo diâmetro corresponde a nanômetros, ou seja, um bilionésimo de metro (10-9metros). “Os nanotubos são materiais com elevada resistência mecânica e, por este motivo, são utilizados como reforço em materiais poliméricos e cerâmicos. Apesar do vasto campo de potenciais aplicações, ainda não existem no Brasil empresas que produzem esses materiais em larga escala. Os utilizados no país são, na maioria, importados, fato que contribui para o valor elevado do produto”, explica Alves.

A pesquisa, além de abrir possibilidade para a redução do valor desses produtos, apresenta um importante aspecto ligado à sustentabilidade. A queima dos resíduos pode reduzir em até 90% a quantidade dos rejeitos finais gerados, evitando sua deposição em lixões. O bagaço de cana, por exemplo, é atualmente utilizado pela maioria das usinas para a geração de energia capaz de suprir todo o processo de produção de cana e etanol.

Sem gases poluentes

Na técnica desenvolvida pelo pesquisador, os resíduos poderão continuar a ser aproveitados para a geração de energia: a diferença é o aproveitamento dos gases resultantes da saída do processo. Isso ocorre porque na pesquisa desenvolvida na Poli, Alves realizou a quebra dos hidrocarbonetos gerados durante a queima: a parte de carbono encontrada nos gases foi utilizada para a fabricação dos nanotubos; o que restou foi o hidrogênio, gás não poluente que pode ser liberado na atmosfera. O estudo foi realizado em escala laboratorial. A queima de 4 gramas de resíduo gerou aproximadamente 300 miligramas de materiais carbonosos, sendo parte destes referentes aos nanotubos.

A pesquisa foi desenvolvida durante a tese de doutorado de Alves, Síntese de nanotubos de carbono a partir do reaproveitamento de resíduos sólidos carbonosos, que foi defendida em 2011. O trabalho foi realizado na modalidade sanduíche: no Brasil, pela Escola Politécnica, com orientação do professor Jorge Alberto Soares Tenório, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Nos Estados Unidos, a orientação foi do professor Yiannis Angelo Levendis, da Northeastern University, em Boston. Parte das análises dos materiais ocorreu no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Os resíduos foram incinerados isoladamente em um forno, em diferentes níveis de temperatura, pressão e oxigênio de acordo com cada o tipo (bagaço, milho, PET e pneus). Os gases resultantes das queimas foram submetidos a um filtro de carboneto de silício (SiC) e repassados para um outro forno com temperatura de 1000 graus Celsius. Neste segundo forno, foram colocadas telas de aço inoxidável que atuaram como um catalisador: quando o gás passava por esta tela, parte do carbono era convertido para a forma de pó e o hidrogênio era liberado pelo sistema. As telas eram então imersas em uma solução de etanol e submetidas a um processo de agitação por ultra-som que liberava um pó preto, no qual foram encontrados os nanotubos.

Premiações

A pesquisa já levou a publicação de 09 artigos em periódicos nacionais e internacionais, 16 artigos em anais de congressos, um capítulo de livro e um texto para capa de jornal. No total, o trabalho já foi premiado cinco vezes: Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade; Prêmio da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) de Meio Ambiente; Prêmio Antonio Mourão Guimarães da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM); Prêmio Capes de Teses, e Prêmio MERCOSUL de Ciência e Tecnologia.

Sobre a aplicação prática do projeto, o pesquisador conta que seria preciso realizar, em primeiro lugar, a adaptação de locais onde a queima de resíduos já é feita para a geração de energia, como no caso das usinas de açúcar e etanol. Segundo Alves, “A tendência é que haja um crescimento do mercado brasileiro de etanol e as empresas tendem a produzir cada vez mais energia elétrica a partir da queima do bagaço da cana.

A pesquisa também apresenta possibilidade de ganhos econômicos, ao utilizar matéria-prima barata, como os resíduos, para a produção dos nanotubos. “Os nanomateriais têm uma série de aplicações que já deixaram os laboratórios de pesquisa e podem ser encontradas em produtos que vão desde a indústria aeroespacial até área cosmética. Há muito desenvolvimento sendo realizado, mas primeiramente é necessário baixar o preço dos nanotubos”, finaliza.

Mais informações: email joner@usp.br, com Joner Oliveira Alves

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