Projeto Salivar reúne conhecimentos da odontologia, biologia e arqueologia para verificar na prática o que se sabe sobre a influência da dieta na saúde dos dentes
Ainda no período do mestrado em Ciências Odontológicas, Rodrigo Elias Oliveira decidiu fazer uma viagem despretensiosa pelo Brasil, passando por alguns sítios arqueológicos nos estados do Piauí, Bahia e Minas Gerais. A curiosidade e o interesse crescente ao conhecer esses locais acabou levando o dentista a uma nova área, a arqueologia dentária, que se tornaria tema de sua tese de doutorado e inspiração para a atual empreitada no pós-doutorado: o Projeto Salivar.
A pesquisa envolve a avaliação da saúde bucal de pessoas com diferentes dietas. O foco é no tártaro – também chamado de cálculo dental, o tártaro é formado quando a placa bacteriana, na qual vão se juntando restos de alimentos, endurece na superfície dos dentes, como resultado da higiene bucal deficiente. Em seu estudo de doutorado, desenvolvido no Instituto de Biociências (IB) da USP, Rodrigo já havia feito análise semelhante, porém em esqueletos da região de San Pedro de Atacama, no Chile. Observando que tipo de alimento compunha o tártaro nesses indivíduos, foi possível levantar hipóteses sobre as condições nutricionais das populações e verificar as mudanças na alimentação provocadas pela influência do império boliviano Tiwanaku. Agora, porém, sua investigação será não mais em crânios escavados, mas em pessoas vivas, o que é uma novidade e um desafio.
“Sabemos que o organismo elimina o nitrogênio produzido na digestão de proteína animal através da ureia, e uma das formas como isso acontece é pela saliva. A ureia é relacionada ao pH alto da saliva, que favorece o acúmulo de tártaro. Esse é um caminho lógico e bem conhecido. Mas não há trabalhos clínicos mostrando, por exemplo, se as pessoas que comem mais carne são as que acumulam mais tártaro”, explica o pesquisador. No trabalho com os crânios, analisar o tártaro foi uma tarefa relativamente mais simples, já que na época em que viveram essas populações ainda não havia a escovação, ou seja, há sempre bastante material presente nos dentes. Estudar as pessoas de hoje, no entanto, traz como vantagem a possibilidade de saber como é sua dieta. “Pode ser que a pessoa coma arroz todos os dias, mas ele não apareça no cálculo dental, e que o milho que ela comeu apenas em um dia apareça. Talvez com essa pesquisa comecemos a entender como o cálculo é formado, o que gruda mais nesse tártaro e o que não gruda. É um tipo de informação que ainda não temos”, afirma.
Pesquisa e atendimento
O Projeto Salivar vai avaliar 250 pessoas divididas em cinco grupos: os onívoros ou generalistas; comunidades ribeirinhas da Amazônia (generalistas); ovolactovegetarianos; veganos; e portadores de doença celíaca e pessoas com alimentação sem glúten. A partir de questionários e anotações, será levantada como é a alimentação dessas pessoas, que receberão atendimento na clínica da Faculdade de Odontologia (FO) da USP, onde serão coletadas saliva e placa bacteriana e também dadas orientações sobre saúde bucal. Rodrigo conta que já foi questionado se ele, de fato, vai encontrar tártaro para seu estudo. “Não importa se são pessoas instruídas ou não, ninguém faz a higiene 100%. Sabemos que temos que escovar os dentes e passar fio dental, mas às vezes somos negligentes”, responde.
No momento, o pós-doutorando está convocando voluntários para seu estudo. Ele conta que grande parte das pessoas que se candidataram vêm de comunidades vegetarianas ou veganas – algo que não o espantou, pois são justamente as pessoas que encaram a alimentação de forma mais consciente, que refletem sobre o que comem. “O objetivo aqui não é mudar o hábito alimentar de ninguém, mas talvez o que encontremos seja um reforço para incentivar uma dieta sem carne”.
A ideia de incluir comunidades ribeirinhas no projeto surgiu de um convite feito por outro pesquisador na área de patologia bucal para atender habitantes da Reserva Natural Mamirauá, no Amazonas. Rodrigo decidiu utilizar a mesma amostra em seu estudo, porém realizando outros tipos de análise – assim, poderia incorporar essa população com dieta rica em peixes e, como contrapartida, promover atenção básica odontológica a essas comunidades isoladas.
Ciência compartilhada
Sua carreira como dentista no consultório anda junto à sua vida de pesquisador e, por isso, Rodrigo optou por não pedir a bolsa de pós-doutorado. Para financiar o Projeto Salivar, deu início a uma campanha de financiamento coletivo na internet. No vídeo, explica o que é o projeto e o que será feito com o dinheiro arrecadado:
A iniciativa é afinada com o objetivo do projeto, que é envolver as pessoas com a ciência. “A academia, por vários motivos, é uma coisa distante do público. Não adianta produzir um monte de ciência que fique só conosco”, defende o pesquisador.
Coordenador do projeto, Rodrigo conta com vários outros colegas para sua ambiciosa empreitada. Um especialista em bioquímica salivar, uma microbiologista e uma pesquisadora na área de arqueobotânica estão entre os membros da equipe multidisciplinar. “Esse projeto tem um número de pesquisadores inicial, mas não tem um número final: qualquer pessoa que tenha uma boa ideia, uma dúvida que se encaixa em nossa investigação, e vontade de trabalhar, é bem-vinda”, afirma.
Mais informações: email projetosalivar@gmail.com