Marcela Baggini /Serviço de Comunicação Social da Prefeitura do Campus USP de Ribeirão Preto
A cada mil crianças que nascem no mundo, duas possuem espinha bífida, ou mielomeningocele, caracterizada pelo fechamento incompleto da coluna vertebral. Trata-se de uma lesão medular congênita que pode ser diagnosticada quando o bebê ainda está na barriga da mãe.
A criança nasce com parte da medula exposta para fora, que é colocada no lugar por correção cirúrgica logo após o nascimento. No entanto, esta pessoa pode ficar com várias sequelas. Uma das complicações mais comuns é a bexiga neurogênica, que na maioria das vezes tem como tratamento a realização do cateterismo vesical. Mesmo com a cirurgia, esse paciente precisará de tratamento permanente e o mais comum é o cateterismo vesical intermitente, feito quatro vezes por dia.
Esse é considerando o melhor tratamento para preservar a função dos rins e adquirir a continência urinária, além de poder ser realizado sem ajuda de terceiros ou pelo próprio paciente (autocateterismo). Cateterismo vesical intermitente consiste na passagem de um cateter pela uretra até a bexiga, para retirar toda a urina. Deve ser feito de quatro a seis vezes por dia. “Para a maioria das pessoas com espinha bífida, o cateterismo vesical intermitente será necessário por toda vida”, conta a pesquisadora e professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, Fabiana Faleiros Santana Castro.
Em seu doutorado na Alemanha, Fabiana pesquisou os fatores que antecederam o uso do autocateterismo em um estudo comparativo dos pacientes com espinha bífida brasileiros e alemães, buscando formas de aumentar suas chances na utilização desse procedimento. Foram comparadas 200 pessoas com espinha bífida, no Brasil e na Alemanha. O estudo, quantitativo e comparativo, mostrou que são quatro os principais fatores que aumentam as chances de o paciente conseguir realizar seu autocateterismo: nível de escolaridade, presença de hidrocefalia, grau da espinha bífida e a nacionalidade.
A doença
A pesquisadora conta que na década de 1940, a maioria das crianças com esse problema morria logo após o nascimento devido a infecções na mielomeningocele. Com a evolução da medicina, houve o desenvolvimento da cirurgia para correção da espinha bífida, porém, os pacientes passaram a desenvolver a hidrocefalia.
Em seguida, foi desenvolvida uma válvula que drena o líquido do cérebro para a cavidade abdominal, amenizando esses problemas. “Atualmente estamos presenciando a primeira geração de adultos com espinha bífida”, observa a professora. “Pensando na reabilitação, visando à autonomia, a participação e a manutenção da privacidade, o ideal para essas pessoas é a realização do autocateterismo. No entanto, na minha prática eu percebia que alguns pacientes conseguiam fazer o procedimento e outros não.”
Segundo a professora, não existia nenhum estudo que evidenciasse os fatores preditores do autocateterismo, o que facilita para os profissionais no momento de realizar a indicação e a capacitação desses pacientes e familiares. A pesquisa também apontou que em ambos os países o cateterismo foi responsável por diminuir o número de infecções urinárias e o autocateterismo aumentou em quase três vezes as chances de adquirir a continência urinária.
Os fatores
O aspecto mais relevante de interferência para a realização do autocateterismo, segundo a pesquisa, é a escolaridade, que representa a capacidade cognitiva do paciente. O que tem maior nível de escolaridade chega a ter cerca de 30 a 40 vezes mais chances de conseguir realizar o autocateterismo. A hidrocefalia, que é uma das principais complicações da espinha bífida, presente em cerca de 83% dos pacientes, também interfere em sua capacidade de fazer o autocateterismo.
“Está comprovado cientificamente que hidrocefalia está associada ao déficit cognitivo. No estudo, aqueles que não apresentavam hidrocefalia tinham nove vezes mais chances de realizar o autocateterismo”, diz Fabiana. A pesquisa também apontou que quanto mais baixo for o nível da lesão (mielomeningocele), maiores as chances de realização do autocateterismo. “Pessoas com a lesão no nível sacral ou lombar têm 5,5 vezes mais chances de realizar sozinho o procedimento do que aqueles com a lesão nos níveis torácico e cervical”, destaca a professora.
Apesar de não esperar esse resultado, a pesquisadora verificou que o quarto fator que influencia na realização do autocateterismo é a nacionalidade. A comparação feita entre Brasil e Alemanha mostrou que os alemães tinham 2,6 mais chances de conseguir realizar o procedimento sozinhos. “Além da cultura alemã incentivar a autonomia, questões sociais também devem ser consideradas na análise desse resultado”, salienta a pesquisadora.
Mielofórum
Durante seu doutorado, a pesquisadora observou a organização dos indivíduos com espinha bífida e seus familiares, por meio de associações e fóruns virtuais. Com isso, Fabiana e seu grupo de pesquisa, composto por pesquisadores da USP e da Universidade de Dortmund, na Alemanha, têm desenvolvido um fórum virtual, o Mielofórum. O objetivo desse fórum é formar uma rede virtual de apoio mútuo e informações de saúde, visando à reabilitação desses indivíduos por meio da promoção do empoderamento, da autonomia e da participação.
O projeto do Mielofórum é apoiado pela USP, Fapesp, KAAD, Universidade de Dortmund, Associação de Espinha Bífida e Hidrocefalia da Alemanha e o fórum alemão SternschenForum.
O Prêmio
Durante o Congresso Internacional de Enfermagem de Reabilitação, realizado na cidade do Porto, Portugal, em dezembro de 2013, a pesquisa Reabilitação vesical: Estudo comparativo sobre o Cateterismo Intermitente e a Espinha Bífida na Alemanha e no Brasil, recebeu o prêmio de primeiro lugar na modalidade comunicação livre.
Mais informações: (16) 3315.0183