No ano de 2013 se comemora 100 anos da publicação de Totem e Tabu, do criador da psicanálise Sigmund Freud. Neste trabalho, Freud faz uma contribuição à antropologia social e constrói uma reflexão a respeito dos tabus na regulamentação da sociedade. Diante da importância do texto na obra freudiana e no âmbito da teoria política o Instituto de Psicologia (IP) realiza no dia 14 de novembro o evento “100 anos de Totem e Tabu”, na biblioteca do IP.
De acordo com o coordenador, professor Paulo Endo, o evento surgiu da necessidade de debater e de discutir o impacto do texto do Freud já que, de acordo com o próprio psicanalista, Totem e Tabu, assim como A interpretação dos sonhos, foram produções consideradas por Freud como as mais fundamentais de obra. “Totem e Tabu, que é um texto de uma ousadia intelectual inédita em que, pela primeira vez, Freud afirma que tem algo a dizer sobre um assunto que a principio não seria agraciado pela área da psicanálise que é a gênese dos totens e os tabus”, comenta o professor.
O evento em comemoração à publicação do artigo freudiano será o único realizado no Brasil. No dia do debate serão lançadosdois livros que marcam o centenário: Totem e Tabu cem anos depois, uma coletânea de artigos publicada em três línguas e que teve como uma das coordenadoras a psicanalista Betty Fuks. Caterina Koltai, Márcio Seligmann e Rinaldo Voltolini e Paulo Endo também estarão presentes para uma conversa em torno de Totem e Tabu. Também será lançada a tradução direta do alemão de Totem e Tabu pela LP&M, com a revisão técnica do Professor Paulo Endo.
Totem e Tabu
Totem e Tabu é, a princípio, uma leitura endereçada aos antropólogos, em que Freud busca analisar a gêneses dos totens – símbolos sagrados e respeitados – e dos tabus – proibições de origem incerta – que cercam e cerceiam as liberdades individuais e coletivas de uma determinada sociedade. Segundo relatos do próprio Freud, esse artigo consiste em uma tentativa de explicar questões da psicologia social, relacionando o totemismo aos vestígios da infância.
O texto relata a história da primeira comunidade dos homens, a “comunidade primeva”, constituída por um pai tirano e seus filhos, os escravos. Essa relação impedia que os filhos tivessem qualquer tipo de liberdade. Havia um fator que distinguia essa comunidade das demais, já que o tirano tinha direito absoluto sobre as mulheres da comunidade. Só que em determinado momento, como conta Paulo Endo, essa assimetria gerou um desconforto entre os irmãos e, a partir de algo que Freud não explica, eles começam a considerar que aquilo por algum motivo é injusto. O complexo de Édipo já instaurado com a relação pai-filho estimula a organização dos irmãos, que ao fim se juntaram para aniquilar o elemento opressor cometendo o parricídio, ou seja, a morte do pai.
Ao matar o pai acontecem dois processos: primeiro, eles devoram o pai, em um banquete totêmico. E, posteriormente, os filhos se sentem de alguma maneira culpados pela morte da figura paterna, porque embora tirano, aquele indivíduo os protegia, provinha, alimentava. “A culpa vai gerar uma herança que produzirá a necessidade de restauração da representação desse pai, a restauração do totem”, conta o professor.
Após a morte do pai, os filhos tomam conhecimento que possuem força para fazer qualquer coisa, que todos são possíveis tiranos. Logo, é necessária uma lei que organize a comunidade.
Com esse mito, Freud é capaz de demonstrar a transformação do pai tirano em pai simbólico, que dita os códigos da lei moral através do cumprimento dos mandamentos e das regras sociais. Por exemplo, após a morte do pai, os filhos tomam conhecimento que eles possuem força para fazer qualquer coisa, que todos são possíveis tiranos. Logo, é necessária uma lei que organize a comunidade.
Além disso, agora que as mulheres não são mais “privilégios” de um só homem, é preciso pensar em como serão ordenadas as suas relações com os demais membros do clã. Para o coordenador do evento, a instauração de uma ordem que dita que os membros daquela comunidade não podem se relacionar com as mulheres do mesmo clã explica a origem do tabu do incesto e, a partir dele, surgem todos os outros.
De acordo com Endo, a presença física desses totens nas culturas produz, paralelamente, a organização da comunidade em torno dos totens e a regulação da cultura a partir dos tabus. “Ou seja, o totem é a figura que organiza , em torno da qual toda comunidade se organiza. Mas como, com quais instrumentos? Os tabus, que regulam o que podemos ou não podemos, a proibição e o que é permitido”, explica o coordenador. “Funcionam com a leis”, completa.
A origem das leis?
O professor Paulo Endo explica que os tabus, para Freud, são a origem de aquilo que mais tarde chamaríamos de direito penal. “São as primeiras regulações que apareceram no seio das comunidades”, diz. Segundo ele, as leis são herdeiras dos tabus, mas não são o tabu em si. As leis possuem gênese, possuem uma explicação de como surgiram, quais grupos estavam interessados nessas leis e, nas democracias, podem ser modificadas; os tabus, não. “Os tabus são intocáveis e jamais será dado o sentido ou origem dessa ‘lei’ ”, argumenta o coordenador.
Endo finaliza contando que, embora o texto tenha sido execrado pela antropologia e tenha sido abandonado até mesmo por parte dos psicanalistas durante anos, nas décadas de 1980 e 90 ele é retomado pela teoria política. “A política nasce com o assassinato, que é o assassinato do pai. Quer dizer, quando se mata o tirano a política nasce para regulamentar a ordem e evitar o surgimento de outras tiranias”.
O evento acontece das 14 às 17 horas do dia 14, com entrada franca e aberta aos interessados. O IP fica na Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Bloco C, Cidade Universitária, São Paulo.