Apenas em 2013, o Brasil teve mais de 170 mil internações hospitalares decorrentes de acidentes de trânsito. Homens jovens, de 20 a 39 anos, motociclistas e moradores de cidades do Centro-Oeste e do Nordeste brasileiro foram os mais atingidos. Somadas, as internações representaram mais de 1 milhão de dias parados (permanência em hospitais) – média de 6,3 dias para cada paciente – gerando um custo total de mais de R$ 231 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), somente no ano em questão.
Apenas em 2013, foram 21 óbitos no Brasil para cada 100 mil habitantes
“Essas regiões são as campeãs em internações por acidentes de trânsito porque, apesar de o número total da população ser maior em outros locais do Brasil, o número de acidentes é maior, proporcionalmente, nesses lugares”, esclarece a pesquisadora Silvânia Suely Caribé de Araújo Andrade, autora de uma tese de doutorado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, na qual traçou um panorama dos acidentes por transportes terrestres no Brasil.
De acordo com Silvânia, ainda em 2013, foram 21 óbitos a cada 100 mil habitantes (cerca de 42 mil mortos no total). “Neste mesmo ano, a Suécia apresentou uma taxa de 3 óbitos para cada 100 mil habitantes”, compara a pesquisadora, lembrando que alguns países africanos e a Índia superam os números brasileiros.
A pesquisa foi realizada a partir da análise de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que registra óbitos no Brasil desde 1975, e do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), que traz as internações realizadas pelo SUS em hospitais próprios ou conveniados.
Silvânia também realizou uma revisão sistemática de literatura utilizando bases de dados internacionais para análise de artigos, teses e dissertações sobre o tema. Dos 473 artigos encontrados, ela usou como filtro os que abordavam acidentes ocorridos antes das sequelas. “Assim eu teria certeza que a sequela foi decorrente do acidente”, explica. “Sobraram apenas 4, mostrando o quanto é deficiente a literatura sobre o tema.”
A pesquisadora utilizou uma metodologia desenvolvida pela orientadora da pesquisa, a professora Maria Helena Prado de Mello Jorge, da FSP, que determina dois tipos de sequelas físicas de acidentes. Uma é a sequela certeza, quando há esmagamento de membros, amputação, traumatismo de nervos ou traumatismo raquimedular. A outra é a sequela provável: queimaduras e traumatismo crânio encefálico. “Nas sequelas prováveis, existe a possibilidade, mas não a certeza, de que o acidente causará incapacidade. É algo que pode gerar uma demanda para o serviço de saúde e talvez a necessidade de um reposicionamento da pessoa na sociedade”, esclarece.
A análise dos dados mostrou que,no período 2000-2013, foram mais de 1 milhão e 700 mil internações, sendo que cerca de um quarto dos acidentados apresentou diagnóstico sugestivo de sequela física, com maiores proporções entre os motociclistas de 20 a 29 anos (31,1%) e pedestres (32,5%).
Também foi observada uma tendência de aumento na sequela certeza nas regiões Centro-Oeste e o Nordeste. “No futuro, poderá ser notado um aumento do número de homens sequelados nessas regiões”, observa.
Década da segurança viária
Em 2010, lembra Silvânia, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que de 2011 a 2020 seria a década da segurança viária. Os países signatários devem estabelecer metas para reduzir ou estabilizar as mortes por acidentes terrestres. “Nos anos de 2011, 2012 e 2013, houve no Brasil uma redução de 4,1% da taxa de mortalidade. Trata-se de um pequeno avanço”, destaca.
Para a pesquisadora, o Brasil tem o grande desafio de alcançar a meta proposta. “Várias medidas devem ser tomadas, envolvendo não apenas o Ministério da Saúde, mas também ações intersetoriais, com os Ministérios das Cidades, da Justiça, além da sociedade civil”, opina. Para Silvânia, é preciso investir também em planejamento urbano, construção de passarelas e faixas de pedestres, entre outras ações de mobilidade urbana.
Segundo a pesquisadora, as cidades brasileiras não são voltadas para a preservação da vida. Há problemas com a sinalização precária, a legislação, a falta de segurança das vias, o comportamento dos pedestres e uma série de fatores ligados à infraestrutura das cidades.
“No Brasil, as campanhas de conscientização e o endurecimento da legislação com penalidades mais severas têm impacto positivo na diminuição de acidentes, mas é algo momentâneo. Logo após as campanhas, é possível observar uma redução, mas depois os acidentes aumentam. Isso devido a um enfraquecimento da fiscalização que se torna menos rígida, ao uso de aplicativos para celular que ajudam os motoristas a fugirem das blitz, entre outros”, destaca.
Para estudos futuros, ela sugere analisar, especificamente, as sequelas para motociclistas envolvidos em acidentes, o real custo e o quanto estas sequelas afetam a vida desses acidentados.
Valéria Dias / Agência USP de Notícias
Mais informações: email silvaniasuely@yahoo.com.br