Para conhecer a diversidade linguística brasileira, o Governo Federal instituiu em 2010 o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) que identifica e documenta as línguas que formam a sociedade brasileira por meio de variadas pesquisas. Uma delas, o Levantamento Etnolinguístico de Comunidades Afrobrasileiras, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, inventariou o “português afrobrasileiro”.
O levantamento é coordenado pelas professoras Margarida Maria Taddoni Petter e Márcia Santos Duarte de Oliveira, que foram convidadas pelo governo para integrar o projeto-piloto devido a seus estudos nesta área no Brasil e na África. A proposta, neste caso, foi avaliar a permanência da cultura e de traços de línguas africanas em duas comunidades quilombolas de Minas Gerais – Tabatinga e Milho Verde – e uma do Pará – Jurussaca.
Foram realizados uma pesquisa sobre a história dessas comunidades, a coleta de textos orais, a organização de um banco de dados histórico, linguístico e cultural, além da investigação das variedades do português falado por essa população, considerando aspectos gerais da gramática e do léxico desse português ‘étnico’.
A denominação de “português afrobrasileiro”, dada para a língua inventariada, baseou-se no livro O Português Afro-Brasileiro de Dante Lucchesi, Alan Baxter e Ilza Ribeiro (EDUFBA, 576 pp.), publicado em 2009.
Antes da implementação do Inventário, foi criado o Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística (GTDL), encarregado da formação e gerência dos projetos-piloto que testariam a metodologia do INDL. Segundo a professora Márcia, o governo pretende, nos próximos anos, “realmente conhecer a diversidade linguística brasileira, o que incluiria as línguas indígenas, as línguas de imigração, as línguas de sinais, e o português afrobrasileiro e indígena falado em comunidades quilombolas”, conta.
Metodologia
Os outros projetos-pilotos do Inventário já tinham métodos definidos, mas segundo Márcia, não havia como utilizar a mesma metodologia em um inventariado que envolvia situações linguísticas tão diferentes. “O ideal era que a metodologia fosse uma só, mas como ser metodologicamente único num inventariado de surdos-mudos, comunidades indígenas, comunidades quilombolas e imigrantes do sul do país?”, questiona.
Para vencer essa dificuldade, as professoras obtiveram o apoio de consultores para cada tema. Entre eles, o professor Valdir Barzotto, da Faculdade de Educação (FE) da USP; os professores Dante Lucchesi e Ilza Ribeiro, da Universidade Federal da Bahia (UFBa); o professor Emilio Bonvini, do Le Centre National de la Recherche Scientifiquee (CNRS/ França); a professora Rosa Acevedo, da Universidade Federal do Pará (UFPa); e a professora Sônia Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Assim, a coleta dos dados foi efetuada por meio de viagens de campo e por larga pesquisa documental. Foi feito o levantamento e apreensão da fala através de entrevistas e gravações, com a transcrição dos dados sendo feita por 81 alunos da FFLCH sob a orientação das professoras Márcia e Margarida.
Orientados primeiramente por monitores do projeto, os estudantes puderam aprender técnicas de transcrição e ainda entrar em contato com variedades do português brasileiro pouco conhecidas. Além disso, foram aplicados questionários sociolinguísticos nas comunidades para identificar os diferentes usos da língua.
Juntamente com os consultores, as professoras propuseram em seu relatório final, enviado ao Ministério da Educação (MEC) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um edital que contempla não somente uma questão de “afrobrasilidades”, mas que abranje um português chamado de “étnico”. “Se o governo abrir editais somente de matriz afrobrasileira, estará cometendo um equívoco. Temos no norte do país comunidades indígenas que não falam mais a língua indígena, mas também não falam o português que nós falamos, e sim um português diferenciado, étnico”, afirma.
Benefício social
Márcia destaca a importância de se valorizar as comunidades e o português que elas falam, trazendo a consciência deste valor para dentro da própria universidade. Para a docente, o conhecimento da diversidade linguística do país pode contribuir com o ensino da língua escrita em comunidades isoladas. Ela conclui:
“Precisamos formar profissionais especiais para essas realidades linguistícas, que vão para as comunidades e comecem a inserir o ensino da língua escrita a partir da realidade dessas falas. Somente de posse dessa concepção é que nós vamos poder realmente formar cidadãos capazes de articular a língua escrita e a língua falada com propriedade no país.”
Resultados e continuidade
O projeto-piloto foi entregue em Brasília em fevereiro deste ano e os últimos relatórios ainda estão sendo enviados. “Esperamos que o governo Dilma dê continuidade ao processo, mas estamos em fase de transição. Ainda não se formou a comissão da organização (INDL) de fato. O que está sendo feito agora é organização final do resultado desse projetos-pilotos”, comenta.
Toda a pesquisa e coleta de dados do projeto realizado na FFLCH estão disponíveis no site Projeto Piloto IPHAN/USP Comunidades Quilombolas, em uma iniciativa das professoras responsáveis que visa torná-lo público e divulgá-lo amplamente, tanto para professores e especialistas como para a população em geral.
Mais informações: site www.fflch.usp.br, email marcia.oliveira@usp.br, com Márcia Santos Duarte de Oliveira e mmtpetter@uol.com.br, com Margarida Taddoni Petter