Depois de passar alguns minutos fora do jogo por causa de uma contusão, Vágner Love volta a campo. Só que, em vez de vestir a camisa do time hexacampeão brasileiro, aqui ele usa apenas uma capa plástica com bolinhas coloridas no topo. Sua missão é combater, sozinho, três jogadores adversários. Mesmo com seu dispositivo de chutes danificado, ele empurra a bola três vezes para dentro do gol enquanto os oponentes só conseguem acertar uma. Ovacionado pelos torcedores, sai de campo vitorioso, mas com as marcas da batalha.
“Foi emocionante, um dos melhores jogos da competição. Nunca vou me esquecer do momento em que peguei o robô na mão, soltando fumaça, e o levei para consertá-lo: parecia uma verdadeira mesa de cirurgia. A equipe inteira lá: soldador na mão, chaves de fenda, lanternas de celulares. Uma loucura!”, conta o estudante Fernando Haber. Era a primeira vez que ele participava da Competição Latino-americana e Brasileira de Robótica (LARC/CBR) e não imaginava que, depois daquela cena, Vágner Love seria capaz de vencer a partida.
Haber está cursando o primeiro ano do curso de Engenharia de Computação e já é membro de um dos maiores grupos de extensão e pesquisa da USP, em São Carlos, o Warthog Robotics. O grupo é ligado ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) e à Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e tem como tutores a professora Roseli Romero, do ICMC, e o professor Ivan Nunes da Silva, da EESC. Aberto à participação de todos os estudantes de graduação e pós-graduação do campus, o grupo interdisciplinar é composto hoje por 80 membros, sendo que 34 deles são alunos que acabaram de ingressar na USP, tal como Haber.
“O calouro costuma ser muito individualista, especialmente depois de ficar três ou mais anos estudando sozinho para ser aprovado no vestibular. Ele não teve a experiência de enfrentar um problema em grupo. Participar do Warthog e das competições de robótica nos ensina a lidar com pessoas e a trabalhar em grupo. Isso faz toda a diferença”, revela o estudante. “Foi muito cansativo, eu dormi apenas duas ou três horas nos dias que antecederam a disputa. Mas ver tudo funcionando depois é muito recompensador e dá força para a gente continuar”, completa.
[media-credit name=”Divulgação / ICMC” align=”alignnone” width=”700″][/media-credit]A conquista do time de Haber, formado apenas pelos calouros do Warthog, foi bastante comemorada: eles ficaram em 4º lugar na categoria RoboCup tamanho pequeno (F180) durante a LARC/CBR, que aconteceu em Uberlândia no início de novembro. Já os veteranos conquistaram o vice-campeonato nessa modalidade e também na categoria IEEE Futebol tamanho muito pequeno. “Em campo, enfrentamos várias situações que estão fora do nosso controle e nos obrigam a encontrar novas soluções. Isso traz um aprendizado prático que se torna um diferencial na nossa formação”, conta Yuri Lourenço, que cursa Sistemas de Informação no ICMC e é diretor da divisão de treinamento do Warthog.
Quem participa do grupo pode escolher uma ou mais divisões para atuar, em um universo com 11 possibilidades: treinamento, inteligência artificial, visão computacional, estudo de movimentos, eletrônica e potência, mecânica e materiais, integração e teste, administração e marketing, controle, simulação e projetos. “Aqui, os estudantes têm a oportunidade de colocar em prática o que aprendem na teoria”, explica o doutorando Adam Moreira, do ICMC, que é diretor da divisão de estudo de movimentos.
O interessante é que os estudantes têm total liberdade para definir em que área desejam se encaixar. Assim, um aluno que está em um curso como ciências de computação, por exemplo, pode fazer parte de um time de qualquer outra área, como eletrônica ou mecânica, o que o levará a obter conhecimentos adicionais para sua formação. Haber optou pela divisão de visão computacional e também pela de controle.
Mas o trabalho do grupo vai muito além das competições: “Nosso principal objetivo é aplicar nos nossos robôs o que pesquisamos no meio acadêmico. A nossa participação nas competições é uma consequência desse trabalho que nos traz novos desafios e motivação”, afirma Moreira. Nos meses que antecedem as disputas, a rotina do Warthog é alterada: os times são formados e estabelecidos os gerentes de cada equipe. Nesse momento, o laboratório onde o grupo trabalha passa a funcionar praticamente durante 24 horas e as refeições acontecem ali mesmo junto a Vágner Love, Neymar, Valdívia e outros jogadores desmontados.
Como são os robôs do Warthog – De acordo com Adam, para construir um robô capaz de jogar futebol sem precisarmos usar um controle remoto, é preciso levar em conta aspectos mecânicos, eletrônicos e computacionais. Toda a estrutura do robô, o tamanho que terá, onde ele precisará ser furado, como serão as rodas, o motor, a bateria, o dispositivo de chute, entre diversos outros detalhes são definições que cabem aos responsáveis pela parte mecânica.
Já quem cuida da eletrônica decide quantas placas de circuito ele possuirá, quais componentes serão colocados nessa placa, como será seu microcontrolador e deve compreender também quanta energia será necessária para executar suas tarefas e fazê-lo andar de forma adequada e na velocidade desejada. Há, ainda, os especialistas do campo computacional. São eles que farão o robô compreender as informações captadas pela câmera que fica no alto do campo de futebol, superando desafios como a falta ou o excesso de iluminação no local. Nesse time, entra também a área de inteligência artificial. São os algoritmos dessa área – as sequências de comandos passadas para o computador a fim de definir uma tarefa – que farão o robô tomar as decisões certas em campo. “A visão computacional possibilita ao robô ter a visão completa do jogo, enxergar onde está a bola e como estão posicionados os adversários e os colegas de time. Já os algoritmos que criamos vão fazê-lo decidir chutar a bola para o gol ou repassá-la a um companheiro”, explica Moreira.
A complexidade dos robôs do Warthog aumenta de acordo com a experiência do time. Os robôs dos calouros na categoria tamanho pequeno (F180), por exemplo, têm apenas uma placa eletrônica, um dispositivo de chute e três rodas compostas por 16 microrrodinhas. Os robôs dos veteranos, na mesma categoria, têm três tipos de placas eletrônicas, um dispositivo de chute mais potente do que o dos calouros, um dispositivo de drible e quatro rodinhas compostas por 24 microrrodinhas, o que possibilita ao robô movimentar-se para qualquer direção. Além disso, esse robô é construído em módulos. De acordo com Moreira, o time veterano que disputa essa categoria galgou avanços este ano ao desenvolver quatro robôs bastante estáveis.
Já na categoria tamanho muito pequeno, como o próprio nome diz, devido ao tamanho reduzido do robô, sua complexidade é menor: não há dispositivo de chute nem de drible, existem apenas duas rodinhas e uma placa eletrônica. Moreira ressalta ainda que o grupo desenvolve também robôs para participar de competições de combate e que está realizando estudos sobre robôs bípedes, embora ainda não tenham criado nenhuma máquina desse tipo especialmente devido ao alto custo. Mas talvez os calouros do futuro tenham a chance de aprender a manejar um time de humanoides.
“No tempo que passo no grupo não estou estudando para prova, mas aprendendo e aplicando aquilo que a prova, de uma maneira teórica, vai me cobrar”, explica o calouro Haber. Para ele, participar do Warthog traz benefícios que vão além de possibilitar aplicar conceitos teóricos, de aprender a trabalhar em equipe e de obter conhecimentos adicionais à formação básica: “Eu também acho que aproveito melhor o meu curso por ser um membro do Warthog. Tem muitos tópicos que, quando vi em sala de aula, achei pouco importantes. Mas ao notar que aqueles conceitos têm uma aplicação prática, passei a dar mais valor”. É possível que, nas próximas competições, os conceitos que Haber julgou irrelevantes à primeira vista sejam capazes de salvar a vida de Vágner Love em campo.
Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Mais informações: telefone (16) 3373-8376